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esperando godot, em beckett, por cláudia vasconcellos

o que é um mendigo?
um ser que já foi criança - embora existam crianças mendigas (e chaplin está aí para eternizá-las).
um ser que já foi alguém - quando realmente é fruto de uma queda.
um ser à margem, que não se relaciona com a sociedade existente.
vladimir e estragon são dois mendigos num mundo isolado transformado em palco à espera de alguém - que virá de onde, afinal, se desse lugar eles não podem sair? de onde vem o menino. que se não viesse deixaria godot numa espécie de limbo transcendental. godot existe, é isso o que ele diz. e manda recados.
o país da merda em que vlad e gogo estão encerra uma eternidade candente. uma eternidade subjacente ao contraste formal entre diversas condições de existência. o país da merda é o país em que lhes cabe esperar (embora eles duvidem). por sua vez, não é o da torre eiffel, em que eles iriam pular de mãos dadas. e não é o país da fertilidade. é o país da suprema carência - sendo que o tempo todo nem vlad nem gogo sentem fome. é o país do supremo presente - embora eles - discordando da autora - hajam tido passado. o passado do igual. o passado da identificação com o lugar. todo e qualquer lugar pode ser o lugar de encontrar godot, afinal.
há a certeza - é ali. há a incerteza - será este o lugar? a árvore serve de referência - embora aparentemente morta. o que é uma árvore morta - não mais uma árvore, claro.
se descartes coloca a questão principal - em que medida se existe? - e berkeley a ponte para os sentidos - o que é ser, sensivelmente? - geulinx - contemporâneo a descartes - contempla a incapacidade e ignorância do humano. não que haja um abandono à busca da ataraxia por vlad ou gogo, o que há é um abandono às condições formais da ignorância - que levam vlad e gogo aos paroxismos tão conhecidos e identificados na peça.
e há o testemunho. o sentir-se observado, o observar sem ser observado, o observar um cego, o ser observado por um cego. ser é ser sentido, diz berkeley. pois então. e deus observa tudo. daí o ser fora do ser pensante. ser enquanto ser visto por algo maior que parece sentir para além de qualquer percepção. e deus está o tempo todo em questão - não pelo nome de godot, mas simplesmente por todo o monólogo de lucky, que contempla o saber formal, que é dito como se fosse cagado, como se fosse um enlevo de regras sem menor expressividade. não pode ser isso, fica a conclusão a quem assiste. não somos máquinas. e deus é apático, indiferente e impotente para falar.
é quando vasconcellos enumera os reflexos, as reverberações entre os personagens:
a violência física - para mim, menos expressiva que a verbal.
a necessidade de salvação - no próprio encontro é o que se espera, afinal.
a propriedade - algo restrito a pozzo, mas - em almas - abordando godot.
as súplicas - como de alguém sem nada a dispor, de alguém despojado de qualquer importância.
as amarras - entre vlad e gogo e entre gogo e godot.
o bordão da inatividade formal com a necessidade de agir - para nada.
a diversão - contida na própria existência de vlad e gogo - estes, como forma de divertimento. o formalismo como expressão do caráter engraçado da lógica do paroxismo.
o pensamento - numa antecipação de searle, com o bordão do ato de fala. da promessa. ele disse que viria. a promessa como o ato linguístico por excelência.
a memória - lembrar-se de que, afinal?
a similitude entre huis clos e esperando godot pode ser conteudística a quem evitaria dar atenção ao aspecto formal. pois vlad e gogo não dialogam. como bem vemos percebendo. como bem notamos ao sentir que eles estão perdidos no espaço. num espaço perdido no tempo.

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