Não faltam referências para todos aqueles que querem provar que vivemos numa época confusa. São incontáveis os livros que narram o fim da arte - como ela aparecia até o século XIX, pelo menos. São inumeráveis os livros de sociologia que tentam açambarcar - e sempre admitem que não o conseguiram - a realidade político-social contemporânea. Os livros sobre política internacional, então, parecem inúteis. A literatura parece haver desistido de querer dizer alguma coisa. Somos invadidos o tempo todo por informes que parecem nos convencer da pretensa inutilidade do pensamento bem embasado numa sociedade liquefeita.
Em seu "O vento e o moinho", o crítico de arte Rodrigo Naves aborda o fenômeno focando seu interesse na arte moderna e contemporânea. Diz ele que estamos vivendo numa "crise de inimigos", uma "dificuldade de as forças sociais se articularem tanto pela ausência de um opositor claro quanto pela incapacidade de ordenarem a si mesmas" (p. 15). Parece ser inquestionável o fato de as obras contemporâneas deixarem excessivamente a dever àquelas que nos anos 20 a 60 definiram campos artísticos ainda hoje passíveis de estudo e socialmente inapeláveis.
O teatro parece - para alguns - estar beirando então o ocaso. Refiro-me ao teatro convencional, dramático, que perde clara atratividade face aos experimentos pós-dramáticos que Lehmann tenta enquadrar em sua bíblia tão lida mas ao menos tão mal-compreendida ("Teatro pós-dramático"). A arte, se, como diziam os modernos, tem como função anunciar novos momentos históricos, adiantando-se a eles, parece enfrentar uma crise sem precedentes, como se fossem inúteis e nada pudessem dizer face a um mundo de conflitos graves em número alarmante.
Os grandes relatos, as grandes posições e as grandes oposições parecem ter perdido razão de ser. Soam excessivamente ultrapassadas as menções às reflexões derivadas do questionamento social imposto pelas revoluções do começo do século XX, aos genocídios que quase arrasaram povos inteiros e que culpabilizam sem dó nem piedade os pretensos conquistadores, que tão indevidamente fizeram uso da razão instrumental - pois a usaram para fins injustificáveis e à realidade bipartida que por meio da guerra fria dominou o mundo por mais de meio século. Por mais que se tente estabelecer ligações entre conflitos passados e realidades presentes algo parece haver se perdido inapelavelmente no caminho.
Não deve ser à toa que os saberes humanísticos cheiram a mofo a boa parte da juventude que tão lepidamente se move num mundo de recursos aparentemente ilimitados mas que, por outro lado, sabe que sem estofo não poderá sequer entender o mundo que parece ir embora numa época transhistórica e suficientemente opaca para não se deixar prever por quaisquer que sejam os recursos de modelagem de cenários à disposição de quem está disposto a pagar por previsões mais seguras.
O que acontece na Síria? Não se sabe muito bem. Como será solucionado o conflito? Ninguém sabe. O que ocorre na Ucrânia? Quem são os atores envolvidos? Há quem se proponha a saber, para ser desqualificado a seguir por realidades que escapam a qualquer enquadramento a posteriori. E enquanto isso o mundo avança aparentemente sem entraves ao desenvolvimento capitalista que deixa tantos mortos pelo caminho.
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