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The Power of Theatrical Madness (O Poder da Loucura Teatral) (Jan Fabre)

Platéia seleta, primeira de apenas duas apresentações, a peça de Jan Fabre, prevista para durar 4h20, sem intervalo (não adiantou eu perguntar, falaram o que não sabiam), parece ter sido, para quem já a viu, interações relativas a uma espécie de catálogo da arte moderna e contemporânea em que os atores-performers simplesmente citam datas e eventos relativos à arte teatral enquanto se despem ou fazem performances como imitar animais, etc. Mas isso, ao que parece, apenas à primeira vista. Tudo parece ser simbólico nessa obra de arte total. Começa com os atores enfileirados ao fundo do palco (em que está uma tela de projeção gigantesca) e luzes que remetem a uma fuga da realidade (como que reproduzem, pelo jogo de distanciamento e de gradação de luzes, uma espécie de universo). Cito aquilo de que me lembro. Num primeiro momento, os atores-performers saem lá do fundo aos poucos e formam, também aos poucos, uma fileira de homens e mulheres de costas que efetuam movimentos de comodismo (braços fechados) e de espera (com jogo de pernas), cena em que os jogos são sincronizados enquanto, pela primeira vez, os atores-performers citam datas e eventos ligados à arte teatral. Pára uma das atrizes e tira o seio para fora, na cena do flyer. Num determinado momento, todos menos uma atriz vão ao fundo e pegam, de uma travessa trazida por dois servidores – que depois simbolizam a arte, ao que parece –, rãs, que capturam e matam com pisadas cirúrgicas. Uma reação de tristeza da platéia contrapõe-se ao vermelho sangue resultante nos panos. Sem a menor ideia do que possam significar, as mortes  são aos poucos deixadas para trás na cena em que a atriz que é deixada para trás luta com insistência contra um “guarda” que lhe pergunta sem cessar, 1876? Ela não responde e por mais que se esforce é jogada de volta para fora do palco. Só após muitos minutos e quando ela responde a que a data significa ela é incluída. Note-se a exclusão do âmbito da arte daquele que não conhece, que não “sabe”. As cenas do mesmo estilo se sucedem enquanto – de acordo com o programa – são exibidas pinturas e detalhes de pinturas maneiristas. Num momentos mais lírico, dois atores nus dançam, ambos com coroas nas cabeças, como que celebrando o reino da arte. Há um momento – agora não sei se agora – em que os dois se beijam e um carrega o outro que desmaiou. Numa outra cena, cantor lírico que reproduz trecho de ópera em alemão, com venda nos olhos, carrega uma faca e faz que corta atriz em sentido oposto também com venda nos olhos. A cena espraia-se por minutos sem fim, enquanto ao fundo os atores/atrizes-performers reproduzem os mesmos jogos de “adivinhação”, que depois, em outras seqüências (devo esquecer alguma), os atores/atrizes-performers “correm” no mesmo lugar quase ad infinitum (o sofrimento dos atores/atrizes é patente) repetindo os mesmos “enigmas”, completando uns aos outros as citações de datas e eventos artísticos, até chegar aos dias atuais (a peça é de 1984). Na última seqüência, cinco atores carregam atrizes desde o fundo até a base do palco, desnudando-se aos poucos, enquanto elas ressuscitam, morrem novamente (ao fundo do palco, jogando-se nos braços dos atores) e ressuscitam novamente. Não sei se consegui reproduzir as sequências na ordem, nem se as que reproduzi foram realmente as mais importantes. Importa que não há texto na peça, só sequências de datas e eventos, e que o acontecimento de sua decifração domina a peça o tempo todo. A peça foi aplaudida com efusão muito embora diversos espectadores tenham saído no meio, não achando aparentemente nenhuma graça nas cenas e naquilo que virtualmente devem ter querido dizer. Sinto-me até agora dividido, não sabendo se considero isso teatro, performance ou espetáculo de baixo ou alto nível. Sinceramente, não sei. Mas o evento é memorável, seja como for.

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