Pular para o conteúdo principal

A Volta ao Lar (de Harold Pinter, dir. Bruce Gomlevsky)

As palestras e bate-papos de que tenho feito parte ultimamente me convenceram de que determinados autores possuem uma forma bem específica e interessante de encarar o mundo. Harold Pinter é um deles. Deixando meio de lado as picuinhas ditas a respeito de sua pessoa, foi ao ler O Quarto, sua primeira peça, que realmente percebi que algo havia lá. Assim como, aos poucos, vou percebendo o mesmo diante de obras de arte (artes plásticas, em sua maioria) que já me atraíam mas cujo sentido vou percebendo guiado pelas mãos ágeis de amigos.
A Volta ao Lar parece ser a peça de Pinter mais conhecida – pelo menos é o que dizem por aí. Deve ter sido encenada dezenas de vezes aqui mesmo, e devem ter ocorrido acertos e erros aos borbotões – sendo que os erros muitas vezes podem ter passado despercebidos à maioria.
Assistindo a encenação dirigida por Bruce Gomlevsky – que também atua – no Sesc Consolação, veio-me à mente a dificuldade percebida em aprofundar a percepção do personagem. Parecendo cada um resumir-se a uma espécie de clichê, tive muita dificuldade em perceber as acepções no texto – pois, pelo que ouço por aí, o Pinter é cheio delas. Não que por causa disso a peça tenha ficado rasa ou chata, não. Mas eu não me convencia, em especial com o personagem vivido pelo Tonico Pereira, que, claro, é engraçadíssimo.
Não irei contar a trama – que aqui é importante –, mas revelo que quando veio à tona o destino da esposa de um dos filhos do personagem vivido pelo Tonico tudo permaneceu no mesmo registro de sempre. É como se nada tivesse acontecido. Tudo ficou natural. Não sei se era isso o que se queria com o enredo, mas permaneci insatisfeito, ao menos em parte.
A peça nesta encenação corre de forma ágil e eficiente. Os personagens impõem-se e fazem rir, e algo do silêncio característico da obra de Pinter aparece aqui e acolá. Ouso crer que esse algo não tenha sido o silêncio ou outros buracos tão famosos da obra do dramaturgo. Foi algo que me deixou em suspenso. Não sabendo – no limite – se havia visto o que vi ou se, mais comedidamente, havia acreditado no que via. Precisarei ler a obra, isso é certo. Até para entender se o problema está em mim ou no que vi.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da

(Em) Branco (de Patricia Kamis, dir. Roberto Alvim, Club Noir, 3as a 5as durante o mês de agosto)

Fui à estreia da segunda peça da leva de oito novos selecionados que o Alvim vai encenar municiado de sua leitura na noite anterior. Esperava ver algo relativamente tradicional e nutria um certo receio de déja vu. A atriz e os dois atores permanecem estáticos em quadrados iluminados por baixo. O caráter estático não se refere apenas ao corpo em contraponto com o rosto, mas também a este, mutável apenas (e repentinamente) por expressões fugazes. Os olhares permanecem fixos. O texto segue a ordem 1, 2, 3 (segundo o Alvim, emissores mas não sujeitos), que eu imaginava que iria entediar. As falas são ora fugazes ora propositalmente lentas e sua relação tem muito a ver com o tempo assumido em um e outro momento. Não irei entrar no âmago da peça. Nem irei reproduzir o que a própria autora, o dramaturgo Luciano Mazza e o próprio Alvim disseram no debate posterior a ela. Direi apenas que durante ela nossa sensibilidade é jogada de um lado a outro num contínuo aparentemente sem fim sem c