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O Jardim (Cia. Hiato, TUSP)

Produção da Companhia Hiato e vencedor do Prêmio Shell de melhor autor (Leonardo Moreira) e melhor cenário (Marisa Bentivegna), O Jardim é um espetáculo que trata, em linhas gerais, da memória. Quem quiser que o suspense do cenário e da trama se mantenha a quem ainda não viu o espetáculo, não leia a partir daqui.
O cenário é dividido em quatro triângulos. Um desses triângulos, ao fundo, não é usado, ou melhor é usado apenas como passagem. Os outros três triângulos são habitados pelos atores, que repetem três vezes a mesma cena, em triângulos diversos, para uma plateia dividida também em três. A solução divide o tempo em três momentos. O único personagem que habita mais de um triângulo (dois, no caso) é Tiago, o protagonista.
A trama é simples: 1) Tiago se separa da esposa; 2) a nova mulher e a filha comemoram o aniversário de Tiago, já idoso, cujo único prazer é se lembrar dos momentos com a antiga mulher e 3) netas de Tiago narram a venda da casa, e do jardim do título.
Do meu lado da plateia, a trama mostra-se narrada na sequência. Primeiro, a separação de Tiago. Depois, a nova mulher e a filha comemorando e mandando-o a um asilo. E depois as netas vendendo a casa. Ao final, há o lamento de Tiago, muito comovente, aliás.
Sofri tentando ouvir os diálogos (especialmente os da separação), não gostei de certas frases jogadas aqui e acolá como a dar lições de moral a determinados aspectos apresentados. Não consegui entender muito bem nem a segunda nem a terceira partes. Devo ser um pouco burro mesmo, pois perdi demais, não entendendo muito do que acontecia. Fiquei em certos momentos alheio àquilo que acontecia. Sem dúvida, houve personagens que causavam grande empatia com a plateia, mas perdi esse contato. Não consegui me sentir à vontade.
O espetáculo acabou numa espécie de cohabitação de tempos e espaços, e na repetição marcante de momentos do passado e do presente. O lamento de Tiago ficou patente. Mas fiquei sem saber se era realmente isso o que interessava: compartilhar do arrependimento do personagem. Terá alguma mensagem a mais, tudo o que vi? Não sei.
Gostei, sim, do espetáculo, que tentarei rever (o que será bem difícil, dada a concorrência na compra dos ingressos). Mas me senti, como já disse, de certa forma alheio. Talvez o formato seja quadrado demais para mim, agora. Ou talvez as oficinas de que faço parte estejam surtindo efeito, ficando assim cricrítico demais. Quem sabe. 

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