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Minha relação com a pintura de Francis Bacon

A Fê (Fernanda Valencio, do Club Noir) me disse que gostaria de ler aqui neste blog a história de meu relacionamento com a obra do pintor Francis Bacon.
Então aqui vai. Não tem nada demais, claro.
Tudo começou um belo sábado quando comprei o Jornal do Brasil, de alegre memória. De repente, no Caderno B vejo a reprodução em branco e preto de uma tela do Bacon. Era uma das telas inspiradas nos papas do Velázquez. Fiquei estupefato. Não acreditava no que via. Parei no café do Conjunto Nacional e admirei por minutos a fio isso que era – e ainda é – uma incógnita. Eu me lembro como fiquei apavorado com a boca do papa. Aquela boca aberta revelando um negrume profundo, que parecia tragar toda minha existência. Não exagero. É assim que eu me senti.
Passei a ler e comprar tudo o que pudesse me aproximar da obra dele, do Bacon. Comprei n livros, alguns deles caros, com reproduções de telas, outros biografias, outros simplesmente visuais. Mas, estranho, não me motivava a ler as biografias. Parava na metade, seja lá qual fosse o ponto em que começava. Algo me entediava – e ainda me entedia. Claro que passei a decorar também certas passagens da vida do Bacon. Como quando ele soube da morte de um amigo próximo e de como ele criou um dos trípticos mais chocantes de todos.
Minha atração por Bacon me levou a Paris. Foi em 2003, acho, que eu visitei o Centro Georges Pompidou e subi a um andar onde estava um original, um tríptico original. Parei em frente dele e chorei. Por muitos minutos. Fiquei parado chorando sem contudo o meu rosto se comover. Chorei friamente. Absolutamente emocionado, mas também com vergonha de expressar qualquer fraqueza. Não, não me enfraqueço ao me emocionar, me fortaleço.
Uma noite, entrei numa briga e saí machucado. Estava carregando o livro do Sylvester com as entrevistas que fez do Bacon. O livro ficou manchado com sangue. Aí eu pensei: agora sim, está como deveria. O livro continua comigo, manchado com gotas de sangue. É um livro orgânico, eu diria, retirado da própria vida. Claro que no fundo tudo isso é bobagem. Mas é como eu me sentia. A gente sente muita bobagem.
Anos depois, uma exposição na Oca do Ibirapuera trouxe algo do Bacon. Fui lá com minha então esposa. Parei em frente e de novo chorei. Minutos a frio. Esse choro frio de quem não desiste.
Outro dia o Renatinho (Renato Araújo) me gravou um vídeo com uma entrevista com o Bacon. Estava (está) em fita. Assisti. Mais uma maravilha. O pintor ganhava voz. Eu sabia que ele era meio soberbo. Irônico, cínico até. Sim, mas lá atrás também triste. É o que eu senti.
Podem me achar soberbo ou algo que o valha, mas não deixo ninguém se intrometer em minha relação com o Bacon. Não me interessa o que ninguém acha. Não leio os livros porque me entediam e não acrescentam absolutamente nada. Simplesmente desprezo o que surge por aí ligado a ele. E venhamos e convenhamos, qualquer um pode pegar uma máquina fotográfica, ou celular, e fazer imagens similares a suas obras. Claro, qualquer um pode.
Hoje qualquer um se mete a fazer coisas inspiradas no Bacon. Acho isso uma nojeira. O cara se propõe reproduzir aquilo que no fundo não sente. Mas vocês diriam: como você afirma que o outro não sente? Não sei. Eu simplesmente afirmo. Sair incólume de um Bacon não é nem nunca será para qualquer um. A apresentação que logo irei fazer de Lost in the Ozone será a prova.
Bom, é assim que eu encaro isso que vejo por aí. Com asco.

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