Pular para o conteúdo principal

Mortes

ontem eu estava livre, conversando com uma amiga atriz, e tocamos no tema da morte. uma atriz conhecida de ambos morrera recentemente, e era relativamente jovem. 
sinto que a linha traçada entre vida e morte é ainda mais sutil e relevante para nós, vivos, do que simplesmente o fato de cruzarmos o fato de existirmos e de não mais existirmos. pois estamos todos vivos, sim, aqui desse lado do universo, mas sentimos claramente que as pessoas vivem e morrem mesmo antes de tombarem.
pessoa viva para mim é aquela que consegue fazer seu olhar encontrar o olhar do outro. que não precisa de subterfúgios para mostrar sua beleza - que sempre existe - e que não decepciona tanto a ponto de a descartarmos da nossa frente. pois para estar vivo para o outro é preciso pagar um preço. reparem que eu digo estar vivo para o outro, não simplesmente estar vivo. bilhões estão vivos neste mundo mas só uns poucos o estão para mim. poucos que eu quero que sejam muitos, mas que minhas limitações me fazem parar para pensar. ter um milhão de amigos é um desejo louvável, mas estudos dizem que todo ser humano, no frigir dos ovos, apenas se relaciona com por volta de 150 (o estudo está no youtube, mas não sei como encontrá-lo).
vivos ou mortos, então, precisamos conviver entre si. até o momento em que o convívio nos é retirado da nossa frente e precisamos percorrer o último caminho por nós mesmos.
o lou reed falou da última viagem.
é isso. ocorre que nessa viagem levamos todos conosco e todos nos levam consigo. quem são esses todos? nossos amigos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm...

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da ...

(Em) Branco (de Patricia Kamis, dir. Roberto Alvim, Club Noir, 3as a 5as durante o mês de agosto)

Fui à estreia da segunda peça da leva de oito novos selecionados que o Alvim vai encenar municiado de sua leitura na noite anterior. Esperava ver algo relativamente tradicional e nutria um certo receio de déja vu. A atriz e os dois atores permanecem estáticos em quadrados iluminados por baixo. O caráter estático não se refere apenas ao corpo em contraponto com o rosto, mas também a este, mutável apenas (e repentinamente) por expressões fugazes. Os olhares permanecem fixos. O texto segue a ordem 1, 2, 3 (segundo o Alvim, emissores mas não sujeitos), que eu imaginava que iria entediar. As falas são ora fugazes ora propositalmente lentas e sua relação tem muito a ver com o tempo assumido em um e outro momento. Não irei entrar no âmago da peça. Nem irei reproduzir o que a própria autora, o dramaturgo Luciano Mazza e o próprio Alvim disseram no debate posterior a ela. Direi apenas que durante ela nossa sensibilidade é jogada de um lado a outro num contínuo aparentemente sem fim sem c...