Pular para o conteúdo principal

Método? 2

PRECISO continuar a ressaltar alguns aspectos que considero merecedores, ao menos, de reflexão por quem quiser ENTENDER ou mesmo participar do teatro que eu venho me dispondo a estudar e a praticar, seja enquanto autor, diretor ou mesmo ator - neste último caso, nem imagino como isso venha se dar, realmente.
Transcrevo agora outro aspecto salientado por Grotowski em Para um Teatro Pobre, nas duas traduções disponíveis em português. 1a tradução: "No nosso teatro a formação de atores não é uma questão de ensinar algo, mas de tentar eliminar do seu organismo a resistência a esse processo psíquico, acabando, assim, com o lapso de tempo entre impulso interior e reação exterior de tal modo que o impulso já se transforma numa reação exterior. O impulso e a ação acontecem simultaneamente: o corpo desaparece, arde, e o espectador assiste apenas a uma série de impulsos visíveis. Nossa formação torna-se então uma via negativa - não um agrupamento de habilidades, mas uma erradicação de bloqueios". 2a tradução: "A formação de um ator no nosso teatro não consiste em ensinar-lhe alguma coisa; procuramos eliminar a resistência do organismo a esse processo psíquico. O resultado é a liberdade do intervalo de tempo entre o impulso interior e a reação externa em modo tal que o impulso é já uma reação externa. O impulso e a ação são coexistentes: o corpo se esvai, queima e o espectador vê somente uma série de impulsos visíveis. O nosso, portanto, é um caminho negativo, não um acúmulo de habilidades mas uma eliminação dos bloqueios".

Neste caso, não é necessário entrar em detalhes daquilo que foi dito, frase por frase. O recado é claro: a via negativa de eliminação de bloqueios e a indistinção temporal entre o impulso interior e a reação exterior. Há, porém, um momento em que pode dar uma impressão esquisita: é quando se diz que o corpo desaparece, arde ou se esvai e queima. O que isso quereria dizer, cada um pode entender por si só, enquanto ator/atriz. Eu creio que para todo aquele que já assumiu seu lugar no palco isso se torna perfeitamente claro. Há uma presença, nessa questão, que se distingue da distância que, muitos assumem, o ator/atriz deve assumir em relação a si mesmo/a. Claro que nesse ponto toca-se um aspecto que se afasta dos ensinamentos de Stanislavski, que Grotowski tanto assumiu durante toda sua vida. Mas o caminho/via negativo/a é claro. Isso pudemos, uma de nossas atrizes e eu, experimentar na pele durante os ensaios e - para minha felicidade - sem eu o saber. Ela primeiro precisou "despir-se de si" para então atribuir aspectos desejados à personagem após esse estado de "nudez" interior/exterior (embora eu prefira dizer “limpar-se” de si e “limpeza” interior/exterior). 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm...

Diário Baldio, 7/8/2011, Tusp, BarracãoTeatro

Estréia. Platéia pela metade, o espetáculo começa com sons de rua. Aparece aos poucos Lady, o travesti criação de Gabriel Bodstein. Entramos em seu universo idealizado, de paraíso em meio ao lixo. Não sinto muita empatia. Surge Cotoco (Esio Magalhães). Um ser deformado. Só dá para ver um de seus olhos, e mesmo assim com dificuldade. Não fala, grunhe. Não mexe os braços, os desloca desajeitadamente. Não anda, escorrega com os cotos, com os joelhos. Trava-se o contato. No começo uma distância entre Lady e Cotoco. Aos poucos, Lady embarca na expressividade dos recursos do meio-animal. Que de meio-animal não tem nada. Sabe tocar flauta. Anda de skate. Mas mantém com o mundo o olhar de uma criança. Sempre algo a descobrir, o espanto, a empatia com qualquer detalhezinho do mundo. Sinto-me desfalecer ao me identificar com o ser que conquista a todos com sua inteligência, mascarada por uma aparência que faz jus contudo à sua condição de excluído. Cotoco rouba a cena. Poderia estender-me l...

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da ...