A ida ao SESC
(Pinheiros) para tentar conseguir um ingresso por esse que já não me
surpreende, refiro-me a Bob Wilson, não digo isso para causar qualquer
impressão, é que simplesmente não me sinto mais embasbacado por ele, então,
essa ida valeu ao menos para comprar um cd do Cage, que tanto custam por aqui -
eu deveria haver comprado aquele, àquele tempo, com homenagens a ele, quanto eu
poderia ter progredido desde então. Agora o ouço e ele sinceramente não me
surpreende, como poderia, mas me agrada demais. Vejam, vivemos no século XXI,
em que o conhecimento multiplica-se todo dia de forma exponencial. O Cage é no
máximo da época em que os microcomputadores saíam da tela alfanumérica. Mas ele
agrada muito, sim, pois percebo nele uma graça, uma singeleza, que não vejo
muito por aí, e isso incluo muitos dos que dizem fazem música inapelavelmente
eterna, tipo jazz, ou coisa que o valha. Pois eu sou sobejamente sensível a
narizes empinados, e eles existem demais por aí.
Mas ouvindo Cage sinto
que entendo o que ele quis realmente dizer com aquela peça - que todos citam,
todos os que querem se considerar acima da carne seca - em que nada acontecia,
em que nenhum ruído ou som (essa distinção seria cara a Cage, considero) era
apresentado. Mas não vou lhes dizer o que entendi. Digo-lhes apenas que sinto
também que minha via no teatro e em qualquer outra arte expressiva vai na mesma
direção, ao que parece. E que precisarei pedir aos envolvidos uma entrega, em
pequenos gestos, sempre muito pequenos, ainda maior. Não sei na verdade se eles
entenderam quando eu lhes disse, no ensaio da declamação de Notas de rodapé,
"respeitem o outro, sintam-no ao seu lado, estamos todos juntos",
pois quase ninguém embarcou nessa. Não sei se me faço entender, mas não
conseguem perceber a distância que já estabelecemos, todos nós, no mundo em que
vivemos, antes mesmo de nos conhecermos ou de nos olharmos? Não percebem que
isso não é natural, que é uma forma de proteção que interiorizamos e que nos
impede perceber o outro ao nosso lado, simplesmente pelo prazer de percebê-lo?
Pois vocês não acreditariam NO QUANTO EU VI nos olhos da Rê quando eu lhe dizia
alguma coisa durante o ensaio. Eu a percebia, sinceramente a percebia, e nada
me fazia crer do contrário. Mas eu não estava só com ela. Estava com todos, e
PRECISEI DEIXAR PASSAR. Precisei superar essa sensação. Precisei entrar na
tarefa. Que é o que nos mata. A tarefa. Puxa, hoje, no século XXI, temos
realmente de nos preocupar com o resultado? Vejam ao seu redor. Temos mesmo? Ou
podemos, mais livremente, olhar dentro de nós e perceber o que acontece no
processo EM NOSSO INTERIOR? Sem querer fazer psicodrama, que eu sinto como algo
muito mas muito chato.
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