Voltemos àquilo que
Grotowski fala, em poucas linhas, sobre um determinado método. Está em Para um
teatro pobre, texto clássico do polonês (existem duas traduções, que ponho uma
após a outra): "O nosso método não é dedutivo a partir de um conjunto de
habilidades. Nele, tudo se concentra no 'amadurecimento' do ator que se
expressa através de uma tensão levada ao extremo, de um completo desnudar-se,
da exposição da própria intimidade - e tudo isso sem nenhum traço de egoísmo ou
deslumbramento" (primeira tradução). Ou: "O nosso não é um método
dedutivo para colecionar técnicas. Aqui tudo se concentra na 'maturação' do
ator que é expressa por uma tensão em direção ao extremo, por um completo
desnudar-se, por um revelar a própria intimidade: tudo isto sem a mínima marca
de egoísmo ou de autocomplacência" (segunda tradução).
Pontos a ressaltar:
1) a não dedução a
partir de um conjunto de habilidades ou técnicas. Esse aspecto me interessa
porque não concebo o teatro no qual EU acredito (ressalto o EU, não inclui mais
ninguém) como um teatro em que as habilidades passam a ser somadas e passam a
compor um ator/atriz com recursos os mais variados. Não penso em nada disso.
Não penso que qualquer ator/atriz do grupo tenha de saber determinadas técnicas
para poder se expressar da forma conveniente e agradável para todos. Não penso
realmente nisso. Isso, claro, faz parte da definição do chamado teatro pobre.
2) o amadurecimento
ou maturação do ator por meio de uma tensão levada ao extremo. Penso nisso na
medida em que imagino toda cena nossa, do grupo, como uma oportunidade para o
ator/atriz desenvolverem, em cena, efeitos que, no fundo, surgem de tensões
internas próprias a cada um. Exemplifico dizendo que, no caso de uma de nossas
atrizes, o esforço foi feito no sentido de limpá-la de tensões que traem a si
mesma enquanto pessoa, não enquanto atriz, e posteriormente no sentido de
mostrar-lhe o "drama" da cena, de forma a ela mesma, com seus
recursos expressivos e subjetivos, conseguir passar para fora, na cena, os
paradoxos de sua personagem, os seus dilemas e com isso as suas dores. Cito
outro caso em que uma de nossas atrizes foi convidada a experimentar, em cena,
as sensações pessoais que levaram os espectadores a verem, na personagem, suas
divisões, suas dores e tudo o mais. Foi nesse caso necessário levar a atriz a
sair do clichê do seu personagem para atribuir-lhe uma humanidade que, no
fundo, era a humanidade da própria atriz.
3) um completo
desnudar-se, expondo ou revelando a própria intimidade, sem qualquer marca de
egoísmo e deslumbramento ou autocomplacência. Digo isto afirmando que o
trabalho em que EU acredito demanda - longe de qualquer psicodrama - a
abordagem, pelo ator/atriz, de seus dilemas íntimos, processo que EU gostaria
que contribuísse para que o ator/atriz conseguisse atribuir, no personagem, o
drama que eu já imaginava ao fazer a cena, ao escrevê-la. Digo isto inclusive
ressaltando que faço as cenas para cada ator/atriz em particular, sendo que me
interessa sobremaneira provocar o ator/atriz a demonstrar algo que eu imagino
que esteja dentro de si - e que no caso a tal ponto me perturba que me leva a
provocá-lo com esse fim. É por isso que eu fico sumamente satisfeito quando
ouço, da parte do ator/atriz, que fazer a cena mexeu de alguma forma consigo
mesmo/a, pois essa é realmente a intenção.
A quem lê isto e
pegou o bonde andando, digo que não pretendo implantar, a ferro e fogo, as
convicções que me fazem entender as cenas escritas e encenadas deste nosso grupo.
Embarca nisso quem quiser. Mas por outro lado não escondo que é nessa direção
que eu vou, tanto na escrita das cenas, quanto na posta dessas cenas em cena.
Digo isso porque simplesmente fazer cenas realistas, mais ou menos boas, e
apresentá-las no sarau da Terça não é algo que me faz perder o sono - já seguir
o processo, de forma coerente e compatível com as convicções de todos/as, é
algo que realmente me faz acreditar mais e mais neste grupo. Claro que cada um,
enquanto ator-criador, pode seguir o rumo que quiser, e embarcar nas cenas com
o que mais adequado achar, mas isso não me obriga a deixar de acreditar na
minha via. Espero que eu não tenha sido pouco claro.
Irei escrever
posteriormente bem mais a este respeito e a respeito de outros pontos do teatro
em que acredito.
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