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Lendo sobre Duchamp e Matisse deixo-me influenciar pelo rigor desses precursores sabendo porém que eles não necessariamente devem ser privilegiados como influência pelo CONTEÚDO a que eles dizem respeito - pois sinto (SINTO) que há mais relevância em outras carreiras, em outros percursos, em outras amizades. Pois sinto que em última instância a noção de amizade é aqui realmente importante. Não nos deixamos influenciar por aqueles de quem nos distanciamos por não nos darmos bem com eles - a gente se deixa influenciar por aqueles com que conversamos, rimos e curtimos a vida. Nesse sentido a ligação com quem desenvolve trabalhos de dança - no caso, da dança artesanal do Diogo Granato - ainda repercute em mim, embora tenha me desligado há bastante tempo de sua influência. Lembro-me por exemplo de quando fui a Guarulhos - GUARULHOS! - para apresentar uma performance com o Felipe e outras garotas. Cara, eu me perdi naquela ocasião, inclusive, tendo ido parar na Fernão Dias e precisado cortar Guarulhos por uma área que não conhecia até chegar naquele parque em cuja margem ficava aquele pequeno teatro. E apresentamos no parque! Foi um non-sense relativo, aquele, mas lembro que as pessoas que assistiram aplaudiram com certo fervor - e tudo havia ocorrido meio sem querer, venhamos e convenhamos. Há pouco contatei o Diogo e ele me disse de uma oficina de férias - que infelizmente terei de perder. Mas voltando à arte. Leio sobre Duchamp e Matisse, sim. Mas não é esse estender-se no entendimento de suas (poucas) obras que mais abre minha cabeça - são os escritos que causaram época, mas não a arte em si. O ato de levantar véus onde outros só viam mesmice, a capacidade de enxergar o mundo de outra forma, especulativa, em si. Isso por outro lado - a ausência dessa perspectiva - é o que sobremaneira me irrita nessas artes a que me dedico, ou a que quero me dedicar. O cinema - concordo com o César Ribeiro - poderia muito bem sair desse realismo acachapante, e só não o faz por questões de mercado, venhamos e convenhamos. Sendo que essas abordagens aparentemente contrárias à corrente de aplicar aos atores outras formas de reagir ao mundo não parecem fazer grande coisa. Não me sinto à vontade, por exemplo, ao ver O auto da compadecida do recém-falecido Suassuna. Essa opção pelo regionalismo me cansa sobremaneira - embora veja certa grandeza em ver o mundo de outra forma. Não é pela opção pelo folclorismo bem-conduzido que conseguiremos realmente mudar o mundo por dentro. Aliás, nem sei se existirá mesmo alguma forma de mudar esse mundo chato e irritante desses que parecem nascer tão lentamente que nem espaço deixam a quem quer viver em plenitude.

Outras leituras que desde já influenciam passam pelo caminho da dança - Louppe. Embora canse um pouco esse intróito à dança contemporânea e a várias de suas passagens, agita-se em mim a possibilidade de ver o mundo de forma mais sinestésica - algo de que sinto falta. Infelizmente, porem, acabei optando nos últimos dias por tentar destrinchar o mundo mais pela via da razão - algo que vem me levando bem longe, claro, embora saiba que não irá ser suficiente. Tanto que preciso de ver o mundo daquela forma, e para isso faço algum uso do vídeo - no caso, do premiado Pina, recém-comprado. A beleza do tratamento dessa homenagem abre os olhos e motiva-me mais a sair do corpo preso que ainda me comprime. Outra importante leitura - bem mais cabeça - é o sofregamente consumido Kott, sobre o bardo. Estranha essa Cosac, que parece sempre escolher para prefaciar seus caros livros gente que desmerece o próprio produto - algo que, porém, ajuda a circunscrever as leituras e a expandi-las - o que é bom. Ficar sabendo que o polonês não é assim tão referencial quanto muitos fazem crer é interessante, nesse sentido. Mas causa uma certa impressão de futilidade da compra - e isso me irrita, dado o sacrifício cometido para ir nessa direção. Voltando à arte, porém, é necessário falar algo sobre Matisse. O livro da Spurling anima-me sofregamente por vários motivos, mas especialmente pelo fato de utilizar as descrições para consumar o rigor do pintor já em suas vivências infantis. Ela poderia simplesmente citar certos fatos envolvendo a infância do francês - mas ela não se restringe a isso. Ao invés, e nisso ela me agrada muito, bastante mesmo, ela cria as conexões das idiossincrasias do pintor já consumado com as vivências de um ser que passou por caminhos bem particulares. Não à toa ela acaba me conduzindo à minha própria infância e à minha insistência em me lembrar de episódios que tanto me marcaram que aparecem em meus passos atuais - como por exemplo a maleza (erva daninha) que me dificultava o andar nos jardins em Santiago. Como aquilo fez parte de meu eu de outrora! A tanto isso se deu que deixou uma lacuna importante em minha sensibilidade - e creio que não poderei descansar até recriar os laços rompidos com uma vivência de felicidade que de vem em quando me invade. Hei de aproveitar a bio do Matisse, dessa forma, como poucas vezes antes.


Mas os caminhos continuam sendo trilhados e eles envolvem uma prática que infelizmente precisa dar conta de minha sensibilidade. Infelizmente pela dor envolvida. Dor de me sentir invadido pela personalidade alheia sem poder reagir a ponto de poder envolvê-la - como no ensaio para Notas de rodapé do Uivo - ainda hoje, quinta-feira. Pois a sutileza que busco exige uma queda a que terei de conduzir uma a uma as atrizes do grupo - e os atores, também, embora de outra forma. Irrita-me também bastante a mania, POR PARTE DE TODOS, de pedirem privilégios nas atuações ou em uma série de outras atividades sem que isso pudesse estar previsto por mim. Eu tendo a ceder, sempre. E por isso reajo com violência a todo momento - porque me sinto a tal ponto invadido que não consigo aguentar. Cansa-me a superficialidade desses que não entendem que precisam encontrar saídas quando elas não existem - por elas sempre existem em si. Não me agrada ter de adaptar criações aos atores/atrizes, estes TÊM DE SE VIRAR. Mas as exigências se avolumam e me irritam sobremaneira a ponto de atingirem minha própria vontade de criação. Mas terei de me adaptar. Nesse sentido, todas as dicas do César parecem sempre vir muito bem a calhar. Que ótimo. Hoje teve o lançamento de Hegel - ontem, na verdade. Até passou pela minha cabeça chegar preparado - mas para quê, para causar impressão? Disso não mais preciso - ao que parece em qualquer âmbito atual de minha vida. 

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