Pular para o conteúdo principal

Ensaios e interditos

Acabo de ensaiar, em meu apê, a cena de Dias e Noites, do Lucas Mayor, com direção do Mário Bortolotto, e rir um pouco em meio aos diálogos tão woodyallenianos do excelente Lucas.
Mas reflito que estou também lendo os livros do Strasberg, Adler e Stanislavski sobre atuação, sem saber muito bem como me localizar.
Explico.
O Mário me escolheu para o papel do Pedro porque sentiu que ele tinha minha cara.
Bom, isso que poderia ser uma vantagem acabou mesmo sendo uma vantagem. Pude jogar no palco características pessoais bem minhas para atribuí-las ao personagem, e isso acabou dando um bom resultado. Mas será que eu estou interpretando, assim entendida a cena?
Não sei.
Não tenho CONSEGUIDO entrar na psicologia do Pedro, o personagem, talvez porque estou sinceramente preocupado em que o élan desse personagem não se perca com o tempo. Para isso tive que me concentrar em não jogar para a plateia, simplesmente fazendo o que é preciso ser feito, e em não me acostumar de forma inaceitável a ele, de forma a deixar por outro lado a peteca cair. Mas, não tendo sido orientado a isso pelo Marião, não me resolvo a investir em sua psicologia, na psicologia do personagem - aliás, nem sei se ele, o Mário, acredita mesmo nisso. E estou sendo dirigido por ele, ora.
Mesmo assim, continuo lendo e refletindo a respeito.
Não quero cair na facilidade do papel que é feito para mim. Quero, como ator, dedicar-me o máximo possível a retirar o máximo das oportunidades que me cabem, sem deixar de refletir - em outro momento, claro - quanto a em que medida esse teatro é mesmo aquele com o qual mais me identifico. Leio um artigo recente e descubro que no Marião descansa um hiperrealismo acachapante. Eu, que comecei por tudo pelas vias de um Beckett mal digerido, não sei mais em que direção me desloco.
Enquanto isso, avanço.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm...

Diário Baldio, 7/8/2011, Tusp, BarracãoTeatro

Estréia. Platéia pela metade, o espetáculo começa com sons de rua. Aparece aos poucos Lady, o travesti criação de Gabriel Bodstein. Entramos em seu universo idealizado, de paraíso em meio ao lixo. Não sinto muita empatia. Surge Cotoco (Esio Magalhães). Um ser deformado. Só dá para ver um de seus olhos, e mesmo assim com dificuldade. Não fala, grunhe. Não mexe os braços, os desloca desajeitadamente. Não anda, escorrega com os cotos, com os joelhos. Trava-se o contato. No começo uma distância entre Lady e Cotoco. Aos poucos, Lady embarca na expressividade dos recursos do meio-animal. Que de meio-animal não tem nada. Sabe tocar flauta. Anda de skate. Mas mantém com o mundo o olhar de uma criança. Sempre algo a descobrir, o espanto, a empatia com qualquer detalhezinho do mundo. Sinto-me desfalecer ao me identificar com o ser que conquista a todos com sua inteligência, mascarada por uma aparência que faz jus contudo à sua condição de excluído. Cotoco rouba a cena. Poderia estender-me l...

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da ...