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A salinha lá ao fundo

Quem entra no teatro Cemitério de Automóveis pode reparar, após se acostumar ao palco, que lá ao fundo, lado esquerdo, há uma abertura que serve para os atores invadirem o recinto e interpretarem.Eu, que já assisti dezenas de peças no local, não conseguia matar a curiosidade. O que haveria lá, atrás da "porta"? Os atores que entravam não davam a menor indicação daquilo que poderia haver, e por vezes mulheres eram definitivamente jogadas lá por aquele buraco, no qual quem sabe existisse uma cama, talvez, por que não? (Lembro-me de Mulheres, e do fato de haver uma cena em que lá era imaginado o quarto de Chinaski).Eu havia feito oficinas ali, no teatro mesmo, mas não sabia o que havia lá, atrás daquele buraco.Agora eu atuo numa peça dirigida pelo Marião e, ao começarem os ensaios, finalmente descobri.Há um habitáculo relativamente grande em que se misturam sofás, cadeiras, cabides, mesas pequenas e não tão pequenas, baús, e tudo o mais. Há o que sempre há em uma coxia. O espaço anterior à cena. O lugar onde esperamos para entrar no palco. Contígua àquela sala, logo após o buraco de que eu falava, há um outro quarto, este que claramente serve de camarim. A cor já é de camarim, há espelhos, mais cabides, e espaço para deixar o que é preciso deixar. Um pano preto foi colocado pelo Batata para impedir a saída fácil da luz nesse espaço. No local imediatamente atrás do buraco é preciso haver escuridão total, ou quase.Tá, tudo parece haver perdido a graça, dirão vocês. Não, direi eu. Agora que passamos a maior parte do tempo nesse habitáculo ele assume para mim o status de um local só nosso, dos atores, em que o teatro assume forma, em que podemos passar os textos, em que damos coragem uns aos outros, em que convivemos calados enquanto esperamos nossa hora de passar desta para melhor. Para a eternidade fugaz dos palcos inventados na antiquíssima Grécia, em que a civilização tomou forma e assumiu a importância que merece.

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