Quem entra no teatro
Cemitério de Automóveis pode reparar, após se acostumar ao palco, que lá ao
fundo, lado esquerdo, há uma abertura que serve para os atores invadirem o
recinto e interpretarem.Eu, que já assisti
dezenas de peças no local, não conseguia matar a curiosidade. O que haveria lá,
atrás da "porta"? Os atores que entravam não davam a menor indicação
daquilo que poderia haver, e por vezes mulheres eram definitivamente jogadas lá
por aquele buraco, no qual quem sabe existisse uma cama, talvez, por que não?
(Lembro-me de Mulheres, e do fato de haver uma cena em que lá era imaginado o
quarto de Chinaski).Eu havia feito
oficinas ali, no teatro mesmo, mas não sabia o que havia lá, atrás daquele
buraco.Agora eu atuo numa
peça dirigida pelo Marião e, ao começarem os ensaios, finalmente descobri.Há um habitáculo
relativamente grande em que se misturam sofás, cadeiras, cabides, mesas
pequenas e não tão pequenas, baús, e tudo o mais. Há o que sempre há em uma
coxia. O espaço anterior à cena. O lugar onde esperamos para entrar no palco.
Contígua àquela sala, logo após o buraco de que eu falava, há um outro quarto,
este que claramente serve de camarim. A cor já é de camarim, há espelhos, mais
cabides, e espaço para deixar o que é preciso deixar. Um pano preto foi
colocado pelo Batata para impedir a saída fácil da luz nesse espaço. No local
imediatamente atrás do buraco é preciso haver escuridão total, ou quase.Tá, tudo parece haver
perdido a graça, dirão vocês. Não, direi eu. Agora que passamos a maior parte
do tempo nesse habitáculo ele assume para mim o status de um local só nosso,
dos atores, em que o teatro assume forma, em que podemos passar os textos, em
que damos coragem uns aos outros, em que convivemos calados enquanto esperamos
nossa hora de passar desta para melhor. Para a eternidade fugaz dos palcos
inventados na antiquíssima Grécia, em que a civilização tomou forma e assumiu a
importância que merece.
Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm...
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