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Toda Nudez Será Castigada (texto: Nelson Rodrigues; direção Antunes Filho)

Tem tanta gente que acha que entrar no CPT é cruzar a ponte que leva à salvação que torna-se quase uma obrigação assistir às peças de Antunes Filho (ainda mais agora, em que de forma indireta bebo de sua fonte com a ajuda de uma infinidade de colegas, amigas e amigos). Eu, de minha parte, nutro uma extrema admiração ao seu trabalho, ao seu método e à sua disciplina, algo de que, considero, ninguém deveria abrir mão como exemplo a seguir. Mas precisamos também nos sentir livres para sentir e não simplesmente para aplaudir.


Antes de mais nada, deixem-me dizer-lhes que tenho me topado com diversas atrizes e aspirantes que viram esta última encenação de Toda Nudez e que me disseram ter ficado decepcionadas. Ora dizem que esse teatro já passou, ora me dizem que é muito teatral, ora preferem ficar caladas, sem justificar suas posições – se é que são posições.

Não importa.

Fiquei bem na primeira fileira, bem ao centro. Quase dava para cheirar os atores.

E o que vi? Simplicidade, energia, ausência absoluta de tropeços, marcação impoluta, desempenhos arrebatadores (uns mais e outros menos, é claro), encenação ágil e eficiente da qual não consegui, nem querendo, me afastar. Fui inteiramente arrebatado pelo que vi. Gargalhei como há muito não fazia. Admirei cenas lúgubres que, acreditem, eu havia já imaginado mesmo sem vê-las (foi coincidência, claro). Vi tudo no lugar certo. E o Nelson abrindo o espetáculo com declarações que não poderiam em sã consciência ser colocadas na boca de nenhum outro ser humano. O Nelson é único, e não sou o único a dizê-lo.

Saí admirado. Com a força, energia, humor e singeleza do que vi. Dá vontade de ver de novo, o que tentarei fazer, sim, para ver do mesmo lugar, com a mesma admiração, com a mesma vontade de aprender o que de tão simples deve ser tão complicado atingir.

Vocês viram, comecei querendo me distanciar da unanimidade. Mas caí nela mesma. Toda unanimidade é burra, como dizia o próprio Nelson? Pode ser. Mas então sou burro mesmo.

Termino dizendo que fiquei na rua Dr. Vila Nova mexendo no celular quando não é que o próprio Antunes aparece? Foi singular vê-lo liderar uma pequena trupe de amigos que iriam entrar em um táxi. Vejam bem: ele avançava à frente, com energia, liderando. E não atrás, como que carregado – algo mais natural em vista de sua idade avançada (mas não foi isso o que vi). Entendem agora?

Comentários

Larissa disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Larissa disse…
Frequento o Sesc Consolação e acredite, estou praticamente namorando essa peça antes mesmo de assisti-la. É claro que sou bombardeada pelos elogios enérgicos para com o trabalho de Antunes, aí acabo não resistindo: sou mais uma admiradora também, a ponto de querer fazer parte de tudo aquilo.

Seu texto me instigou ainda mais.
Incrível.

Contrera disse…
que bom que servi para alguma coisa. obrigado, beijos contrera

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