Aberdeen – Um Possível Kurt Cobain (texto Sérgio Roveri, atuação Nicolas Trevijano, direção José Roberto Jardim)
Fui convencido a assistir Aberdeen pelo Kiko Rieser, num papo lá nos Parlapatões. Eu já queria ver a peça há tempos, mas a distância e os horários não permitiam. Tive de desmarcar encontro com o pessoal do Cemitério dos Automóveis e ir correndo ao Cacilda Becker, que eu não conhecia. Jantei uma rabada esperando o início do espetáculo.
Tudo se passa numa área retangular, no palco, com a plateia a poucos passos da ação. A iluminação é parca mas perfeitamente demarcada. Tudo bem sua função. Revestem o piso folhas de caderno, algumas delas escritas, num efeito que já me causa certa antipatia.
Conheço o Kurt desde a leitura de sua biografia, Mais Pesado que o Céu. No meu caso, o conhecimento da pessoa se deu antes de haver apreciado seu trabalho, e saí acabado da leitura. Interessei-me bastante pelo Kurt, comprando alguns cds e um vídeo em inglês que por enquanto nem consigo entender (tive de importá-lo). Comprei inclusive uma edição facsimilar de alguns de seus cadernos, e um livro capa dura com um retrato mais íntimo e multimedia feito pelo mesmo autor da biografia. Hoje Kurt permanece em meu elenco de grandes referências pessoais, pela singeleza e crueza de sua vida e de sua morte.
Eu estava receoso do resultado da peça, mas o Sérgio Roveri se mostrou tão solícito em nossos contatos no facebook que resolvi arriscar. Eu não queria barulhos em minha relação com o Kurt. Eu não conhecia o texto do Sérgio. Não conhecia o ator nem o diretor.
O programa diz que a peça se passa nos três dias em que o Kurt permaneceu escondido e que terminaram quando ele se matou com um tiro de espingarda no rosto e completamente sedado de heroína. Isso me resultou um pouco antipático, dado haver um filme com a mesma pretensão. Um filme se não me engano do Lars Von Trier. Mas o resultado não fez sentir o peso da idéia pouco original.
O Kurt tinha uma relação conflituosa consigo e com o mundo. A ação da peça transcorre mostrando como isso deveria se dar. Ele aparece de pijama e em parcas roupas, e Trevijano, a meu ver muito corajoso, faz uma interpretação contida e sensível. Não parece propor simular um Kurt não existente. Parece simplesmente aproveitar-se da similaridade física para emular um ser em dúvida consigo e com o mundo, prestes a explodir de alguma forma. Quem não conhece a história do Kurt consegue facilmente entrar na psiquê do personagem. Não é necessário conhecimento prévio. Tudo é dado ali mesmo, no palco. As informações necessárias ou são dadas em off ou são narradas pelo próprio Trevijano.
O Kurt era um sujeito irritadiço e violento, consigo e com os outros. Isso fica claro, seja no tom de solilóquio autocentrado, seja em alguns dos movimentos que faz fora de seu comportamento macambúzio. O ato de pegar um pedaço de madeira e fazer o movimento de bater em alguém ou no mundo como um todo chega a dar medo. É algo que eu conheço por dentro, já me senti assim, e tudo fica claro demais no olhar de Trevijano.
Na prática, a peça se dá em flashes milimetricamente encenados, com uma trilha milimetricamente cronometrada. Não há um enredo, mas pedaços de vida, pedaços de monólogos, pedaços de tentativa de diálogo (com Boddah, o ser imaginário de Kurt), pedaços de dor. O texto de Roveri, eficiente, deixa-me porém com a sensação de algo se perder. Claro, Kurt não era um filósofo, não adianta querermos complicar algo que era mais simples do que gostaríamos, mas algo parece escapar das mãos. E de certa forma isso é verdadeiro – o Kurt, por mais que se mostre, nos escapa. Ao final, Trevijano sai do palco por uma porta lateral num movimento suave e patético que emula a morte próxima.
Não me comovi o tempo todo. Reconheci trechos importantes da vida do Kurt, alguns deles maravilhosamente mostrados, mas tive alguma dificuldade de dar o reconhecimento devido àquilo que era mostrado. Mas ao final, para surpresa minha, caíram-me duas lágrimas. Uma escorrida, e outra como uma gota de chuva. O mesmo resultado que na peça do Baskerville sobre seu irmão travesti. Senti então que havia ficado comovido, sim. Que algo havia batido fundo. Não houve novidades. Eu já sabia de praticamente tudo o que fora mostrado. Mas isso não era mais importante.
Ao final, as luzes acenderam-se e a platéia ficou minutos surpresa. Era só isso? Era o que parecia que estava no ar. É como se fosse necessário mais – e não era. As pessoas saíram lentamente e reparei na hora. Haviam-se passado quase 50 minutos, mas algo fazia crer que fora menos. O tempo passou e não se reparou nisso.
Para mim, serviu para lembrar-me e reencontrar esse que tanto sinto em todos e em mim mesmo.
Tudo se passa numa área retangular, no palco, com a plateia a poucos passos da ação. A iluminação é parca mas perfeitamente demarcada. Tudo bem sua função. Revestem o piso folhas de caderno, algumas delas escritas, num efeito que já me causa certa antipatia.
Conheço o Kurt desde a leitura de sua biografia, Mais Pesado que o Céu. No meu caso, o conhecimento da pessoa se deu antes de haver apreciado seu trabalho, e saí acabado da leitura. Interessei-me bastante pelo Kurt, comprando alguns cds e um vídeo em inglês que por enquanto nem consigo entender (tive de importá-lo). Comprei inclusive uma edição facsimilar de alguns de seus cadernos, e um livro capa dura com um retrato mais íntimo e multimedia feito pelo mesmo autor da biografia. Hoje Kurt permanece em meu elenco de grandes referências pessoais, pela singeleza e crueza de sua vida e de sua morte.
Eu estava receoso do resultado da peça, mas o Sérgio Roveri se mostrou tão solícito em nossos contatos no facebook que resolvi arriscar. Eu não queria barulhos em minha relação com o Kurt. Eu não conhecia o texto do Sérgio. Não conhecia o ator nem o diretor.
O programa diz que a peça se passa nos três dias em que o Kurt permaneceu escondido e que terminaram quando ele se matou com um tiro de espingarda no rosto e completamente sedado de heroína. Isso me resultou um pouco antipático, dado haver um filme com a mesma pretensão. Um filme se não me engano do Lars Von Trier. Mas o resultado não fez sentir o peso da idéia pouco original.
O Kurt tinha uma relação conflituosa consigo e com o mundo. A ação da peça transcorre mostrando como isso deveria se dar. Ele aparece de pijama e em parcas roupas, e Trevijano, a meu ver muito corajoso, faz uma interpretação contida e sensível. Não parece propor simular um Kurt não existente. Parece simplesmente aproveitar-se da similaridade física para emular um ser em dúvida consigo e com o mundo, prestes a explodir de alguma forma. Quem não conhece a história do Kurt consegue facilmente entrar na psiquê do personagem. Não é necessário conhecimento prévio. Tudo é dado ali mesmo, no palco. As informações necessárias ou são dadas em off ou são narradas pelo próprio Trevijano.
O Kurt era um sujeito irritadiço e violento, consigo e com os outros. Isso fica claro, seja no tom de solilóquio autocentrado, seja em alguns dos movimentos que faz fora de seu comportamento macambúzio. O ato de pegar um pedaço de madeira e fazer o movimento de bater em alguém ou no mundo como um todo chega a dar medo. É algo que eu conheço por dentro, já me senti assim, e tudo fica claro demais no olhar de Trevijano.
Na prática, a peça se dá em flashes milimetricamente encenados, com uma trilha milimetricamente cronometrada. Não há um enredo, mas pedaços de vida, pedaços de monólogos, pedaços de tentativa de diálogo (com Boddah, o ser imaginário de Kurt), pedaços de dor. O texto de Roveri, eficiente, deixa-me porém com a sensação de algo se perder. Claro, Kurt não era um filósofo, não adianta querermos complicar algo que era mais simples do que gostaríamos, mas algo parece escapar das mãos. E de certa forma isso é verdadeiro – o Kurt, por mais que se mostre, nos escapa. Ao final, Trevijano sai do palco por uma porta lateral num movimento suave e patético que emula a morte próxima.
Não me comovi o tempo todo. Reconheci trechos importantes da vida do Kurt, alguns deles maravilhosamente mostrados, mas tive alguma dificuldade de dar o reconhecimento devido àquilo que era mostrado. Mas ao final, para surpresa minha, caíram-me duas lágrimas. Uma escorrida, e outra como uma gota de chuva. O mesmo resultado que na peça do Baskerville sobre seu irmão travesti. Senti então que havia ficado comovido, sim. Que algo havia batido fundo. Não houve novidades. Eu já sabia de praticamente tudo o que fora mostrado. Mas isso não era mais importante.
Ao final, as luzes acenderam-se e a platéia ficou minutos surpresa. Era só isso? Era o que parecia que estava no ar. É como se fosse necessário mais – e não era. As pessoas saíram lentamente e reparei na hora. Haviam-se passado quase 50 minutos, mas algo fazia crer que fora menos. O tempo passou e não se reparou nisso.
Para mim, serviu para lembrar-me e reencontrar esse que tanto sinto em todos e em mim mesmo.
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