Estou ultrapassando uma linha.
Eu assistia e ainda assisto peças de teatro. Ensaiava cenas para avaliação por diretores de confiança. Até "atuava" aqui e acolá. Mas agora a coisa tá se tornando séria.
É um papel numa peça de uma companhia pequena. A estrear em meados de agosto. Diretor amigo me viu no personagem e lá fui eu to cross the line.
Ontem foi o primeiro ensaio da cena. Meu primeiro ensaio profissional, diria eu. Não que antes eu não me dedicasse - me dedicava, e fazia tudo com profissionalismo, sempre, mas agora vai ser uma peça em cartaz. Não uma apresentação única.
O autor me disse para não divulgar a peça antes de tudo ser liberado. Por isso não irei comentar nem o papel, nem as falas, nem a direção que a coisa toma. Comentarei apenas o que sinto. Como quase sempre.
Tenho uma grande dificuldade em decorar. Até pedi uns conselhos de alguém que passasse pelo face, mas nada. Ensaiando com a Lê, consegui alguma coisa. Por partes.
Mas mesmo assim o texto parece não entrar. Digo, entra pela cabeça, mas eu preciso FAZER algo com ele, não APENAS lê-lo, sacam? Preciso interpretar. Aí eu começo a navegar na maionese. Creio que daí venha a necessidade da direção. Das marcações, das orientações para lá e para cá. O ator parece uma biruta no vento. O vento é a direção.
Creiam-me, embora tenha tremido de frio e algo de nervoso, tão logo piso no palco vem uma calma atroz. Não consigo imaginar outros momentos na vida em que assumo uma calma tão sepulcral. Deve ser porque sou extremamente racional. Sinto-me numa espécie de relógio, em que o tempo somos nós que fazemos, nós, os atores, a direção, etc. Tempo e espaço são criados - não digo recriados de propósito -, na medida em que antes dele nada mesmo existia. A cena é o palco de criação como o mundo é a criação divina. É foda falar em Deus, mas é preciso. Deve ter havido um momento. Esse momento nós o sentimos no palco.
Lembro de quando o Alvim falava em Téspis. Quando ele subiu numa mesa ou uma espécie de pré-palco e fez o canto do bode. Quando tudo surgiu. Antes dele não havia teatro, não havia nada. (Desconsidero um pouco a tradição milenar sul-americana por enquanto; pois aqui também houve o tempo zero).
A vida, no palco, toma direções inusitadas. O diretor vê em nós aquilo que vê na peça e faz tudo se encaixar. O resultado, claro, é o sucesso. No meu caso, do jeito que eu sei ser - aparentemente, na forma de risadas. Ontem, em dois momentos, o pessoal gargalhou. Demais, tanto que até desconcentrei. Algo que não me costuma acontecer, mesmo dada minha experiência limitada. Fiquei embasbacado aqui no meu interior, mas a decifração era clara: o diretor estava certo. Tava lá o que ele viu, em mim e no personagem. O resultado, o riso.
Já haviam me dito algo a respeito. Numa oficina com o Diogo Granato. Bastava eu entrar e tentar imitar, mantendo a face neutra ao extremo, que o pessoal não aguentava. O Diogo disse que há gente com e gente sem isso. Simples.
Percebi então, pela segunda vez, que eu era um personagem. Que eu sou um personagem. Tenho até um perfil no face puxando para esse lado. O Contrera Personagem.
Seja como for, foi apenas uma prévia do ensaio da cena como um todo. Para o que precisarei ter tudo na ponta da língua. O diretor me acalma dizendo que já decorei, apenas estou nervoso. Ao menos. Mas sinto-me bem, em boas mãos. O pessoal fica feliz em ver o resultado, e eu ainda mais.
Mas tenho agora dificuldade tremenda em assistir teatro. E mais ainda em comentá-lo.
Não sei por quê.
Eu assistia e ainda assisto peças de teatro. Ensaiava cenas para avaliação por diretores de confiança. Até "atuava" aqui e acolá. Mas agora a coisa tá se tornando séria.
É um papel numa peça de uma companhia pequena. A estrear em meados de agosto. Diretor amigo me viu no personagem e lá fui eu to cross the line.
Ontem foi o primeiro ensaio da cena. Meu primeiro ensaio profissional, diria eu. Não que antes eu não me dedicasse - me dedicava, e fazia tudo com profissionalismo, sempre, mas agora vai ser uma peça em cartaz. Não uma apresentação única.
O autor me disse para não divulgar a peça antes de tudo ser liberado. Por isso não irei comentar nem o papel, nem as falas, nem a direção que a coisa toma. Comentarei apenas o que sinto. Como quase sempre.
Tenho uma grande dificuldade em decorar. Até pedi uns conselhos de alguém que passasse pelo face, mas nada. Ensaiando com a Lê, consegui alguma coisa. Por partes.
Mas mesmo assim o texto parece não entrar. Digo, entra pela cabeça, mas eu preciso FAZER algo com ele, não APENAS lê-lo, sacam? Preciso interpretar. Aí eu começo a navegar na maionese. Creio que daí venha a necessidade da direção. Das marcações, das orientações para lá e para cá. O ator parece uma biruta no vento. O vento é a direção.
Creiam-me, embora tenha tremido de frio e algo de nervoso, tão logo piso no palco vem uma calma atroz. Não consigo imaginar outros momentos na vida em que assumo uma calma tão sepulcral. Deve ser porque sou extremamente racional. Sinto-me numa espécie de relógio, em que o tempo somos nós que fazemos, nós, os atores, a direção, etc. Tempo e espaço são criados - não digo recriados de propósito -, na medida em que antes dele nada mesmo existia. A cena é o palco de criação como o mundo é a criação divina. É foda falar em Deus, mas é preciso. Deve ter havido um momento. Esse momento nós o sentimos no palco.
Lembro de quando o Alvim falava em Téspis. Quando ele subiu numa mesa ou uma espécie de pré-palco e fez o canto do bode. Quando tudo surgiu. Antes dele não havia teatro, não havia nada. (Desconsidero um pouco a tradição milenar sul-americana por enquanto; pois aqui também houve o tempo zero).
A vida, no palco, toma direções inusitadas. O diretor vê em nós aquilo que vê na peça e faz tudo se encaixar. O resultado, claro, é o sucesso. No meu caso, do jeito que eu sei ser - aparentemente, na forma de risadas. Ontem, em dois momentos, o pessoal gargalhou. Demais, tanto que até desconcentrei. Algo que não me costuma acontecer, mesmo dada minha experiência limitada. Fiquei embasbacado aqui no meu interior, mas a decifração era clara: o diretor estava certo. Tava lá o que ele viu, em mim e no personagem. O resultado, o riso.
Já haviam me dito algo a respeito. Numa oficina com o Diogo Granato. Bastava eu entrar e tentar imitar, mantendo a face neutra ao extremo, que o pessoal não aguentava. O Diogo disse que há gente com e gente sem isso. Simples.
Percebi então, pela segunda vez, que eu era um personagem. Que eu sou um personagem. Tenho até um perfil no face puxando para esse lado. O Contrera Personagem.
Seja como for, foi apenas uma prévia do ensaio da cena como um todo. Para o que precisarei ter tudo na ponta da língua. O diretor me acalma dizendo que já decorei, apenas estou nervoso. Ao menos. Mas sinto-me bem, em boas mãos. O pessoal fica feliz em ver o resultado, e eu ainda mais.
Mas tenho agora dificuldade tremenda em assistir teatro. E mais ainda em comentá-lo.
Não sei por quê.
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