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Cecil Taylor (TIM Festival, 28/10/07, 20h30)

o velhinho é um tímido. que se combate dialogando a marteladas com a percussão das cordas do Steinway.
incapaz de conviver com a desrazão espiritual reinante, o velhinho cecil entra sem invadir, sai sem escapar. reluta em confrontar olhares impondo o poder de sua poesia, tão apoiada em guturais como no desespero de conectar o presente com o passado para construir um melhor futuro.
o entabular consigo mesmo obriga cecil a arremeter no piano compartilhando sentidos e aromas nas duas tão potentes formas de expressão (a música e a palavra, a palavra e a música). está-se diante de um colosso autosustentável, num solo que concentra as energias para conduzi-las ao infinito, e não face um virtuosismo inócuo, de pés de barro, egolátrico.
folhas sem marca condensam o plano de obras complexas cujo aparecimento induz o imediato esfumar dos sentidos. importa é a nota a seguir, a postura a compor a figura, o respirar a conduzir a performance. cecil faz tanto teatro quanto música, e performance quanto arte plástica, assumindo-se como um todo exprimível, irrestrito ao caráter particular e submetido a exprimir o infinito.
a absorção da platéia em momento algum supõe não haver compreensão do outro. segue-se, à interrupção repentina, uma ovação que obriga o retorno ao palco. cecil termina, não termina. agradece - não se curva -, olho no olho, como lutador em seu próprio tatame, sai andando leve, como se flaneando em paris.
em música, cecil é meu pastor contemporâneo. com ele nada me falta.

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