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Bate Papo (de Enda Walsh) (dir. Tuna Serzedello) (Satyros 1, domingos, 18h30, até dezembro)

Texto: Esgrimas verbais entre jovens de 14 a 16 anos, "presos" a salas de chat. Os registros variáveis, muito empáticos, provocam reações as mais diversas, cômicas a dramáticas. Os personagens, embora presos a suas idades e (suposta) imaturidade, questionam e questionam-se continuamente. O frescor da idade e as referências à cultura pop enquadram o espectador em seu lugar (adulto?) seduzindo-o a embarcar na mentalidade de meninos e meninas imersos em tédio, questionamentos e vacuidade impostos por uma sociedade controladora. Os chats: palcos de fuga e encontro.

Enredo: Simples, eficiente e extremamente bem resolvido. A personagem do menino órfão de pai convida imediatamente (novamente) a uma forte empatia. A idéia (num primeiro instante, aparentemente inócua) - de um chat que convida ao suicídio de um garoto - a tal ponto torna-se palpável pela construção da situação que é quase possível ver "circos" se fechando e abrindo, ao correr da pena do autor. Mesmo previsível, o clímax dramático impacta.

Cenário: Seis cadeiras, uma mesa, dois monitores de tv. A iluminação acompanha os diálogos: nada incentiva a menor dispersão. O descarte momentâneo dos personagens leva-os ao limbo da escuridão. Nada existe, a não ser a presença pela palavra. No embate final, as posições assumem-se como campo de guerra. Pode-se ver o mundo aparecendo por meio do uso das cenas de vídeo (que, contudo, deixam alguma dúvida quanto àquilo que se vê). No encontro final, restam apenas dois seres humanos, em busca. Um detalhe a observar é que, pelo espaço disponível, a iluminação poderia ser mais certeira.

Atuações: Adequadamente restritas aos perfis dos personagens. Taiguara Chagas explora ao máximo o perfil do garoto acachapado pela família e condições (destaque para a narrativa do abandono pelo pai). Velson d'Souza explora, na medida da convicção (que cede), a vertente sádica do adolescente prenhe por qualquer mudança (em especial pelo pior). Julia Novaes, que num primeiro momento encarna, de forma muito empática, a adolescente revoltada pela traição de seus heróis da mídia (Britney), assume-se de vez no apoio aos planos do personagem de Velson, chegando inclusive a superá-lo. A caráter, Jussane Pavan a tal ponto parece transparecer a singeleza da mágoa adolescente que por vezes mal requer espaço no texto. Gabriel Malo acompanha Jussane com força e integridade, somatizando a divisão que invade o personagem. Carú Lima, interpretando a atendente de um chat de suicidas, encarna com força atroz (quase às lágrimas) o único personagem de idade (aparentemente) mais avançada. Elenco que brilha com um texto explorado em seus mínimos detalhes (em timing e ruídos, inclusive).

Direção: Certeira.

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