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Para um teatro pobre, de Jerzy Grotowski (Teatro Caleidoscópio e Dulcina Editora) (continuação)

Muito insatisfeito com o último texto (sobre este livro), tento aqui dar uma resposta a tal falta de precisão.
"Para um teatro pobre" começa com o texto mais conhecido de Grotowski (que não está apenas aqui, numa tradução específica, mas também em "O Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969", também dele e de colaboradores, editado pela Perspectiva, SESCSP e Fondazione Pontedera Teatro). Segue-se esse texto por entrevistas (por Eugenio Barba e Naim Kattan) com o polonês, e por textos em que se reflete como se deu o tratamento das peças Akropolis, Dr. Fausto e O Príncipe Constante. Estes textos têm autoria variada: Ludwik Flaszen, Eugenio Barba e o próprio Flaszen, respectivamente. Em seguida, dois textos do próprio Grotowski (sobre Artaud e o Instituto Borh), anotações de Barba e Franz Marjinen, nova entrevista com Grotowski (por Denis Bablet), sobre a técnica do ator, o célebre O discurso de Skara, outra entrevista com Grotowski (por Richard Schechner e Theodore Hoffman) e afinal uma chamada Declaração de Princípios por parte do polonês. Claro, vocês mesmos poderiam concluir por essa lista acima, mas preferi descrevê-la para convencê-los de que o livro sobre e do polonês não é uma explicação de qualquer método (embora as anotações de Barba e Marjinen descrevam o treinamento do ator no teatro e teatro-vida do polonês). O que de mais importante, creio, nos textos e pronunciamentos de Grotowski está nas suas posições com respeito ao teatro como meio de encontro da verdade para o ator e para o ser humano de forma geral. Isso pode parecer vago.
Existem dois outros importantes livros sobre Grotowski no país: esse já citado ("O Teatro Laboratório") e Jerzy Grotowski, de James Slowiak e Jairo Cuesta. O mais acessível é o segundo. Este segundo livro (o primeiro acabo de pegar) explica, de forma extremamente objetiva, como foi a biografia e o contexto em que Grotowski surgiu (a Polônia dos anos 60), como se deram os principais textos do polonês, como era Grotowski como diretor (lembrem-se de que seu teatro viveu diversas fases, algumas delas aparentemente distanciadas inclusive do teatro como arte expressiva), e como eram alguns de seus principais exercícios práticos. Aqui cumpre dizer algumas coisas: tanto o livro que originou esta resenha quanto este segundo livro, de Slowiak e Cuesta, embora tenham algumas páginas com exercícios práticos, estão muito mas muito longe mesmo de conseguirem explicar em que consistia a busca do diretor polonês, que em certa fase da vida inclusive passou a assumir comportamentos nômades em busca de verdades mais próximas da busca pessoal por uma certa paz e que também dava grande importância a exercícios de índole tribal ou mesmo reducionistas (chamo assim a insistência do polonês em despir o ator de movimentos que ele considerava falseados atribuídos à ação da sociedade no ser humano). Para citar uma passagem deste segundo livro, os autores citam momentos de pesquisa, por parte de Grotowski, em que os envolvidos em suas oficinas simplesmente se dedicavam a estudar movimentos como simplesmente andar (por exemplo). O problema, para os mais afoitos em entender o teatro do polonês, é que Grotowski nutria profunda desconfiança pela sistematização (como método) de seus passos - e até mesmo pela simples divulgação escrita de suas conclusões. Além do fato de Grotowski se desfazer continuamente de seus achados em benefício de outros (achados) ainda mais conclusivos.
De minha parte, o que mais me atrai nessa trajetória de Grotowski e de seu teatro e ações diversas é o entendimento de que o teatro pode ser uma forma pela qual o ator e o espectador são defrontados face à verdade de cada um, sem que com isso se sintam por outro lado a tal ponto invadidos pela "mensagem" a ponto de a recusarem. Um respeito avassalador para ambas as partes, é o que derivo de seu cuidado com o ator e com o espectador. A ponto de suas apresentações serem de força indiscutível.

Tentei com isto ser um pouco mais objetivo sobre o livro - e sobre o outro. Tão logo possa, continuo.

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