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Prometeu (de Ésquilo, direção Roberto Alvim)

Eu já virei figurinha carimbada nessa minha insistência em acompanhar a trajetória recente do Alvim e em, além de curti-la, tentar espalhar sua qualidade. Esta minha ida à estréia de Prometeu encaixa-se nesse meu perfil.
Confesso, eu estava agora com medo. Já me acostumei à forma minimalista, respeitosa e criteriosa com que o Alvim veste a roupa do grego. E por isso mesmo eu temia: porra, eu sei a trama de Prometeu, de cor e salteado; o que ele poderá dizer-me de novo, então, a não ser algo que possa ser fruído no palco? Eu havia me conduzido à primeira fileira quase descrente.
A trama é simples. Prometeu é condenado a ficar preso a um rochedo e a ter seu fígado comido e recomido, infinitas vezes, pelos urubus ao ser condenado, por Zeus, por ter roubado o segredo do fogo e o dado aos homens. Ok, é só isso.
A peça é, ao contrário das anteriores de Ésquilo recentemente encenadas pelo Alvim, dividida em algumas partes (pelo que me lembro, cinco). Só isso já cria uma situação diferenciada. A luz acende e apaga-se tantas vezes quanto necessário postar e repostar os personagens. Prometeu aparece de uma forma interessante: sem rosto, numa figura com capuz em ponta que não se movimenta mas que sempre deixa claro seu protagonismo. Os outros personagens gravitam ao seu redor. Destaque para Íon, que condenada a ser picada eternamente pelo moscardo, aparece numa figura patética, ao fundo, em que os sapatos cumprem papel onomatopaico extremamente interessante.
A peça, curta, remete contudo a um significado que eu havia deixado passar: o papel real de Prometeu na mitologia grega. Sua função como instaurador dos reinos dos homens em oposição aos dos deuses, e sua insistência em não se arrepender e em carregar sua pena pelo infinito. Algo que comove e informa mais do que eu achava. Mais uma vez o Alvim me surpreende, muito embora tenha que admitir que, ao final, saí por razão que me escapa um pouco menos satisfeito. Não sei, mas algo da dramaticidade do texto parece que deixei escapar. Terá sido questão minha, apenas? Não sei. Mas recomendo mesmo assim.

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