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Homens, Santos e Desertores (texto, Mário Bortolotto, direção de Fernanda D’Umbra; Mostra Artes do Subterrâneo, até final de agosto de 2012)

Sempre fico a dever quando assisto as peças do Marião. Termina a obra, fico a ver navios, sem saber se entendi muito bem. Os textos do Marião são ótimos, as montagens bem interessantes, as atuações também, mas por alguma razão sempre saio com a impressão de não haver entendido muito bem. O mesmo aconteceu agora.
Eu havia assistido essa mesma peça há anos, no CCSP. Na época, havia ficado meio insatisfeito. Os personagens me pareceram caricatos, não conseguia senti-los, não entendia o drama. O final, então, me deixou a ver navios.
Passaram-se alguns anos e a impressão já descrita no primeiro parágrafo começou a aparecer. Começou recentemente, com Leila Baby, à qual assisti duas vezes. Da primeira vez, eu saíra desconfortável. Não soube me aproximar, se é que isso era importante. Ficara meio chocado. Não gostara do fim. Me sentira atingido, quiçá em meus delírios de idealista. O suicídio, e pior, a tirada de sarro do cara – se é que era uma tirada de sarro – parecera-me gratuita. Mas, havendo assistido novamente, uma complexidade maior acabou aparecendo. Sim, eu não me sentira bem porque realmente era esse tipo de mentalidade que era ali combatido. Foi então que me dei conta de que estava perdendo alguma coisa. Calhou que na época comecei a fazer oficinas com a equipe do Marião, e que comecei a entender algo do seu teatro por dentro, e a perceber os motivos pelos quais ele sente ojeriza da crítica. Surgiu então um maior respeito. E percebi que algo havia ali. Passei também a compartilhar de alguns valores, de algumas percepções.
A trama da peça é simples: garoto cuja mãe é devassa e o pai ausente se aproxima de um sujeito solitário que passou os primeiros anos de sua adolescência no seminário e cujos valores incluem algo de religiosidade, algo de profundo, derivado de muitas leituras, e algo de fatalista. Com o tempo, os personagens se reconhecem e detalhes importantes de suas vidas vêm à tona. No final, eles se separam e, bom, o sujeito...
Tenho a peça em livro. Não quero falar bobagem, por isso irei lê-la quando puder. Pretendo entrar mais fundo em minha apreensão e captar algo que terei deixado passar ou que algo me terá impedido de ver. Quando terminar, refletirei e escreverei aqui novamente.
Digo apenas por enquanto que a peça é leve e profunda, suave e forte, sensível e brutal, e que vale a pena vê-la. O Marião está ótimo, sempre com aquelas sacadas da queda da luz, e o Gabriel Pinheiro, convincente. Gostaria de vê-la novamente, mas não vai dar, pois ela termina este final de semana. Ou quem sabe dê, quem sabe. Vão. Vale a pena.

PS: Acabo de ler a peça enquanto esperava na fila. Logo digo algo mais, se necessário, claro.

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