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Uma pilha de pratos na cozinha (Mario Bortolotto, dir. Mario Bortolotto) (espetáculo de 12/08)

Texto: Diálogos esparsos no começo, que deixam espaço à caracterização gestual dos personagens. Provocações em seqüência dão aos poucos espaço à trama amor-morte que irá conduzir o desenlace final. Diálogos fortes, de personagens que perscrutam as próprias estranhas à frente do público, fortalecem o drama a ponto de revelarem atualíssimo lirismo, com sólida empatia. O público cala, tomado pela emoção. Final sem palavras, a ser melhor trabalhado em timing e luz.
Cenário: Mesa, pilha de pratos, cadeira, poltrona. Bebida real rega a trama, afetando os atores, exigindo-lhes controle sem deixar de afetar olhares e vozes.
Atuações: Caricaturais no começo, como Bukowskis pouco convincentes (Otávio Martins). Alex Gruli com trejeitos excessivos, também pouco convincentes. A cena transcorre em disputa rasteira, gestual, até a entrada de Eduardo Chagas (sardônico) e Paula Cohen (com sua ambígua força-fraqueza em inteiro domínio da cena). Enquanto as esgrimas verbais revelam as mais profundas feridas, são expostas as tramas macabras da vida e morte que mantêm a interdependência entre as abjeções dos personagens. A exposição do drama pessoal do personagem de Martins fica prejudicada pela quase caricaturação, mas isso mostra-se superado nos diálogos com Cohen. Embate-diálogo Gruli x Cohen expõe machismo em questão x busca de felicidade, muito bem resolvido.
Direção: Frágil no começo (onde mais seria exigida), com discrição até o final (onde também mais seria exigida).

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