A SUZANA
Desde que a Ulrika explicou o exercício, eu sabia que iria
ser terrível.
Eu nunca me senti amado. Não que eu não tenha sido amado.
Mas eu nunca me senti amado, nem senti que eu tinha motivos para querê-lo. Não
importa o porquê disso, que é muito pessoal e que no fundo se restringe à minha
pessoa, minha história e minhas expectativas comigo e com o mundo, assim como
com meus desejos. Daí que interpretar COMO EU DIRIA A ALGUÉM para me amar era
quase um contrassenso. Até porque passei nos últimos dois anos pelo mais
profundo e dramático processo a respeito, quase me matando fisicamente por
causa disso. No caso, eu disse isso à Raquel por dois anos, joguei todas minhas
fichas nisso, e consegui 7 noites de sexo, mais uma amizade que nem sei se tem
esse nome. Não nos falamos mais desde nossa última discussão por whatsapp. A
presença dela, até por email, hoje me incomoda. Mas gosto dela porque ela me
ajudou demais e porque é uma boa pessoa. Mas não sei o que restou de tudo. Além
disso, nunca me senti amado pela minha mãe – que realmente me amou e ama –, nem
pelos irmãos, muito menos pelo meu pai. Por outro lado, decidi há pouco tempo
que eu iria jogar todos os meus esforços em amar as pessoas e encontrar as
pessoas que eu quero amar enquanto formação de família. Sou ultraconservador e
ultrarrevolucionário (em termos políticos e de costumes), e não creio estar
fazendo nada errado, mas às vezes é bastante perigoso para mim e para as outras
pessoas.
No processo, digo o meu processo, durante o exercício,
fiquei olhando, do outro lado da sala, para o espelho. Olhava em diagonal de
forma a não me ver. Não olhava onde alguém estava, mas para mim. Chorava
continuamente, as lágrimas caíam e eu não conseguia parar. Parecia como se eu
não pudesse realmente conseguir fazer o exercício. O tempo passava e eu tinha
que escrever as frases. Eu não havia entendido direito, ao que parece, porque
eu queria encenar-me falando as palavras que iriam sair. Mas peguei o papel com
calma, e rabisquei algumas palavras, que transcrevo logo embaixo. As palavras
saíram como que para alguém em geral, e depois para a Raquel e depois para a
Paula. Saíram em três momentos diferentes. Nos dois momentos últimos, eu
vacilei bastante, e as palavras para a Paula saíram com bastante dificuldade.
As para a Raquel, não. Estavam lá, há bastante tempo. E eu já havia dito essas
palavras a ela, pessoalmente e por email, ou whatsapp ou inbox, nem me lembro
(está tudo guardado). Foram poucas palavras, no total, e não muito bem
escritas. Depois soube com outras pessoas que com elas acontecera basicamente o
mesmo. Durante toda essa primeira parte do processo, eu tive que enxugar as
lágrimas algumas vezes, que caíam mas que não me faziam chorar, propriamente
falando.
Daí o novo exercício era derivado de um anterior, em que
tentávamos impedir que a outra pessoa continuasse andando, afastando-se de nós.
Só que da outra vez o foco era apenas físico, para forçar o movimento. Desta
vez, tinha a ver com o texto, com o texto que cada um acabara de fazer. Olhei
ao meu lado, já que eu estava de pé, e vi uma pessoa (do meu lado esquerdo) com
que não me dava muito bem (mas não que antipatizasse, simplesmente a energia
era diferente). De repente, a Suzana chegou e me escolheu. Achei legal, isso.
Eu já havia feito uma cena com ela, digo, um esboço, e gostara da energia forte
dela, do sorriso e do caráter físico da cena (incomoda-me o toque, mas de
alguma forma eu confiara na hora – refiro-me à cena que fizera com ela e mais
duas pessoas). Mas ao mesmo tempo, desta vez, eu me incomodara um pouco, porque
ela é bonita, forte e densa. Sempre me sinto estranhado quando faço exercícios
em que é preciso um envolvimento físico no sentido de tocar, por exemplo, no
quadril de alguém (que era este caso), ou de impedir que a pessoa faça algum
movimento em particular (neste caso, também). Eu avaliei o corpo dela,
imaginando como seria, se seria fácil controlar o seu corpo e realizar o
exercício.
Suzana, eu sinto que preciso falar o que vem a seguir, mas
peço que não leve a mal.
Por outro lado, eu sempre me estranho quando preciso fazer
exercícios físicos com alguém porque me envolvo de forma excessiva. Lembro-me
de quando fiz um exercício de relaxamento nas costas de uma colega numa aula de
palhaço. Era uma garota pequena e forte, e fiquei assombrado com o exercício.
Na hora, me excitei demais, mas não transpareci nem isso afetou nada.
Simplesmente era estranho. Lembro também quando fiz um exercício de pegar nas
costas de uma colega numa oficina com o Diogo Granato. Por algum motivo, aquela
moça me atraía demais, e ao pegar o corpo dela (no caso, apenas as costas,
muito fortes, mais até do que a da outra moça, anos antes) eu vacilei
realmente, mas a maior estranheza foi que eu não mais me excitara, ao
contrário, eu me abandonara ao corpo dela, ao gesto de pegar suas costas com
minhas mãos, e ao contato, em si, ou seja, realmente ao ato de invadir o corpo
dessa forma bastante sutil embora agressiva (era para massagear as costas com
força).
Neste caso, com a Suzana, foi estranho porque eu não via
muitas dificuldades, ela tem mais ou menos minha altura (ao contrário da Jo,
que eu peguei antes, no exercício anterior), e porque eu não me envolvo mais
(daquela primeira forma). Mas a ênfase do exercício, focado no amor, iria me
confundir muito, ao que parecia. E foi o que aconteceu.
1 No começo, ela pegou-me nos quadris. Eu avançava com força
e calmamente, após havermo-nos preparado ao pisar bem o chão. Contudo, eu não
sentia muita dificuldade, por um lado, mas não conseguia jogar para fora
aquelas palavras, essas que havíamos escrito antes. Havia um leve
constrangimento de me expor, ou uma má compreensão do que acontecia, do
exercício, não sei, sei apenas que parecia falso eu dizer aquilo. Houve um
momento, claro, que eu disse as palavras, e elas saíram sem muita dificuldade,
mas também sem muita alma. Eu também sentia que ela parecia experimentar alguma
dificuldade em me segurar, e na hora de sair, ou seja, de escapar, eu não
consegui um resultado muito bom. Não me sentia liberto de nada, em suma.
Tô confuso. Não consigo lembrar direito qual era o movimento
a seguir. Sei apenas que ela estava me segurando, num determinado momento, e
que eu escapava dela, e que ouvi as palavras dela, dizendo mais ou menos aquilo
que normalmente dizemos quando estamos apaixonados, que fazemos tudo o que a
outra pessoa quiser, que queremos que ela fique, etc. Mas algo me estranhava em
tudo, porque ao mesmo tempo em que reparava que as frases eram bastante clichê,
eu sentia algo de sincero naquilo, que porém foi destruído quando ela me disse
que bolara aquilo meio sem pensar em ninguém. Achei estranho quando ela me
disse isso. Eu sentira uma sinceridade que pelo jeito me enganara ou que dizia
respeito a algo que talvez ela mesma não estivesse reparando, dado que nos
últimos meses tenho progredido tanto, mas tanto, em questão de empatia e em
perceber a outra pessoa que sinceramente não consegui imaginar que eu estivesse
realmente me enganando. Mas ela, a Suzana, sempre me pareceu uma pessoa muito
direta e não devia estar brincando comigo, até porque ela disse aquilo en
passant, como se fosse aquilo mesmo e nem tivesse tanta importância. Foi quando
comecei a ver que ela se revelava, de alguma forma, como pessoa.
Mas daí eu me lembro então que trocamos de posição e que eu
agora a segurava. (Confundi tudo, realmente. Pois agora eu lembro claramente
que eu primeiro te segurei). Volto a 1.
Quando eu a peguei, notei que meus dedos ficavam tesos
depois do exercício, e que eu a segurava bastante forte, e que ela notava. Não
estava emocionalmente envolvido nessa parte do exercício. O corpo dela não me
causava estranheza ou excitação. Eu simplesmente fazia o exercício, e notava
que ela também, mas estávamos meio de fora, ambos os dois, pelo que eu notava.
Quando ela me segurou, notei como ela sentia dificuldade,
porém. Eu sou muito magro, mas bastante duro, com músculos coesos, embora eu
tenha bastante dificuldade de movimentos ainda, apesar dos 5 anos de karatê na
década de 90. E sou muito forte, mesmo dadas minhas limitações. Devo ser como
era o Getty nos tempos áureos (não muita força, mas foco). Mas então (voltei a
escrever, dias depois), ela me segurava e eu sentia como ela parecia penar.
Talvez ela estranhasse, não sei. Talvez ela estranhasse a dureza e o foco para
a frente. Eu sentia alguma dificuldade, mas confesso que nem tanta. Claro, ela
é mulher. Mas havia algo mais. Eu estava focado, e como sempre relativamente
fraco por causa da má alimentação.
A professora disse-nos para falar e mesmo gritar por que não
quereríamos amar a pessoa que implora nos amar (“representada” pelo nosso
parceiro que nos segurava, e que deveria fazer QUALQUER COISA para que
ficássemos). Daí lembrei-me da Raquel, que agora como que (muito sutilmente,
quase de forma invisível, e mesmo quase inexistente, pois eu creio conhece-la
bastante bem) quer que eu continue falando com ela (por facebook, por twitter,
sei lá, pessoalmente é que não). Ela tem seus motivos hard para isso, é bom
entender. Ela é sozinha e gosta de discutir coisas hard, política, etc., e
praticamente ninguém parece entende-la ou ela concordar com alguma coisa que
ouve, que lê ou que vê alguém lhe falando. Então, surgiu uma frase sozinha, que
era “eu não aguento mais”, que passou a assumir um volume estranho, porque não parecia
combinar com o local em que estávamos (a sala de ensaios), e em que eu
sinceramente não me sentia lá. Era como se eu estivesse falando para alguém,
embora esse alguém não aparecesse. Eu me lembro que diversas vezes, durante meu
relacionamento com a Raquel, eu dizia isso para mim mesmo, que não aguentava
mais. Eu lembro que quando a Paula me salvou dela eu dizia a mesma coisa para
mim, e até cheguei a gritar isso. Mas neste caso havia uma corporificação que
me destruía, porque jamais acontecera. Eu sempre tentara manter quem parecia
não querer mais me amar, mas sem vitimismo nenhum nisso, pois era como se eu
realmente não tivesse, minha vida inteira, “feito por merecer” ser amado. Talvez
eu nem tivesse amado, e não poderia dizer mais nada a respeito. Desta vez, ao
menos desta vez, numa sala de ensaios, com você me pegando pelos quadris, você
dizia que queria que eu ficasse. E eu nunca ouvira isso, e ao mesmo tempo era
real, porque até certo ponto (um ponto muito micho) a Raquel agora dizia isso.
Mas eu não aguentava mais, e esse aguentar era real, mas ao mesmo tempo não
aceitava corporificação, era um aguentar que estava para além dos motivos
concretos. Era algo que estava para além da relação que não houvera, ou que
houvera de um jeito tal que hoje me constrange absolutamente. Estão
desaparecendo as imagens, as dores, mesmo as lembranças, já parece praticamente
não restar nada, ou o que resta é algo tão irrelevante que não me diz
praticamente respeito. Começo a esquecer a imagem dela, em suma. Os gritos eram
dantescos, dei uns três deles, e fui muito longe na energia jogada na hora.
(Deixa eu interromper. Ontem falei longamente com a Paula e
noto que novamente cairei na mesma barafunda. As garotas, a garota, me acha
legal, me ajuda, me dá apoio, me ouve, e adoramos ficar juntos, e na verdade isso
é para nada, porque eu nunca interesso. Ou seja, ao que parece sempre é como
deve ser, e com isso você percebe algo melhor meu drama, para em seguida eu te
dizer o que eu vi do teu. Eu disse à Paula, ontem, às 3h: tudo bem, Paula, as
pessoas não vêem como eu de fato sou, mas quando vêem se tornam grandes amigas
por exemplo e nunca se interessam, ou seja, adianta de alguma coisa? Não
adianta. Eu me torno uma unanimidade para aqueles a quem eu não existo como
pessoa real, acaso isso é bom? Não sei, Paula, não sei.)
Daí a gente parou e foi orientado para o outro exercício.
Neste, a gente teria que dizer um ao outro algumas daquelas frases. Ocorre que
você me disse que havia falado aquilo, ao me puxar por trás, inventando, porque
vc não teria ninguém (nesse sentido, claro). E eu te perguntei quem seria
importante para vc. E vc me disse que tua gata. Aí trocamos essas frases. Eu me
joguei de novo completamente, e quase senti a presença das pessoas envolvidas,
a Raquel e a Paula. Olhei vc como sempre faço fixamente nos olhos, como que
entrando na pessoa, e chorei do meu jeito, sem perder a compostura necessária
ao exercício. Você fez o mesmo. Eu notei que nosso choro foi muito contido e
que para você parecia ser algo forte, bastante. Notei também que nas frases que
você citou você terminou com a doença de sua gata, e que você gostaria de
fazer, na verdade, faria tudo por ela. Notei que você relutou muito ao falar.
Não sei se estou certo disso.
Daí veio o exercício que a gente teria de encenar. Você
sugeriu com as mãos, e eu disse à Ulrika que foi ideia sua, e vc gentilmente
disse quem havia te sugerido isso, o Edgar Castro. Não sei quem é. Sua
relutância em se admitir como parte que sugere (claro que formalmente a ideia
teria sido dele) é algo interessante. Ao menos para mim.
Mas ocorreu algo mais que me constrangeu bastante mas que não
disse nem expressei. Você começou a falar sobre sua peregrinação a Santiago. E
contou como foi. Não sei como o tema surgiu, mas notei que você queria me falar
isso. Não sei também por quê. Era a questão de ir em busca de? Não sei. Mas
notei – desculpe-me falar – que vc dizia isso para mim, ou seja, que por alguma
razão, naquela bagunça de sentimentos envolvidos, você queria me dizer isso.
Esse detalhe, que poderia passar batido para qualquer um, depois assumiu um ar
estranho e até um significado, como irei te contar.
Bom, daí fizemos a cena das mãos. Não fizemos ensaio, pelo
que me lembro, pelo menos na vibe que a gente pretendia jogar em cena, e nos
jogamos com absoluta integridade. Deixa te dizer o que eu fazia quando me
jogava na cena. Em detalhes, quanto à entrega nesse tipo de relação – com as
mãos, com o toque, com o diálogo sem palavras, e mesmo com o fato de que (você
notou bem) parecia que eu não estava te vendo e enxergando.
Tenho um problema absurdo com o toque. Não vem ao caso por
quê, é uma história longa que não vale a pena contar, pelo menos com este objetivo.
Vem ao caso porém que esse problema com o toque reflete-se em tudo o mais,
inclusive no sexo (em outro registro, claro), na questão do abraço (que eu
tenho dificuldade imensa de sentir, na verdade acho que não consigo sentir os
abraços, ou que nunca senti um), na questão de como as coisas começam (fui
casado e digamos que convencido de algo por um simples selinho, passei boa
parte da vida frequentando puteiros e tratando o corpo como objeto (principalmente
o meu), e nunca me senti paquerando) e de como tudo se desenrola. A sutileza do
toque (mesmo quando não é físico, ou seja, no olhar, etc.) me é absolutamente
relevante na forma como venho lidando comigo enquanto ator e como dirijo os
atores e atrizes de meu grupo. Em linhas gerais, sou 8 ou 80, com uma
dificuldade absurda no toque mais suave e uma tosquidão absurda no toque mais
escrachado.
No nosso ensaio, nesse específico, notei que vc assumia
movimentos de certa forma padronizados, tipo colocar a mão à disposição. Eu
decidi ir seguindo absurdamente minha própria sensibilidade, sem privilegiar a
questão do “contato” (não físico, mas de comunicação), nem mesmo a busca dele,
ou mesmo a comunicação na ausência dela. Mas notei que vc não ia nessa direção.
Resolvi não me importar com isso. Por outro lado, como sempre faço quando tento
me relacionar (você já sabe algo de minhas dificuldades), mantenho uma
impaciência absurda e uma entrega (ou tentativa de) que também assume ares
quase absurdos. Só para te dizer um absurdo, se a pessoa faz que quer ver meu
cartão de crédito, eu o entrego (quando existe, claro, uma relação nos moldes
que eu imagino) e lhe digo minha senha e esqueço. A pessoa geralmente reluta e
se assusta. Claro, é absurdo. Mas foi algo consciente que passei a assumir
recentemente e que pode me levar a situações inviáveis, como é certo. Mas de
que ainda não me arrependi (acho que vou, mas sei lá). Isso significa que sou
idiota? Você pode achar que sim, mas o fato é que sou tão desconfiado que um
criminoso talvez perdesse para mim. Compreendeu? Foi para me provocar e
provocar na vida que assumi essa postura. Mas voltemos ao “meu absurdo” da
entrega na cena com as mãos.
Na cena, como que eu reproduzi ao vivo (e principiei a fazer
isso no ensaio que fizemos) meu comportamento diante de uma conversa normal
(que eu faço, porque antes eu não fazia) com alguém em quem digamos eu esteja
interessado. Não posso claro reproduzir como eu fazia com minha ex-esposa (fui
casado por 10 anos e ela pediu separação), nem como fazia com a Raquel (porque
com esta eu não tive formalmente nada, nem ficante fui, pode acreditar, eu sei
que é estranho, apesar da profundidade da entrega, pelo menos de minha parte, e
das anuências, da parte dela), nem como faço com a Paula (porque com ela ainda
não tenho nada, nem acho que sinceramente vá ter). Reproduzi algo que em
verdade não existe. Reproduzi como se eu estivesse diante de alguém, e minha
vontade do simples toque, e a vontade do respeito mútuo, pois toque é sempre
algo fundamental. No caso, eu sempre meio que permaneço insatisfeito com a real
entrega (não é factual, é mais espiritual) da pessoa durante a conversa. Pois
enchemos de tanta bobagem todas nossas conversas, na medida em que não
respeitamos o que o outro claramente diz estar sentindo... Nesse sentido,
claro, não pude deixar de notar sua (de vc, Suzana) timidez, na medida em que
se expunha por meio das mãos de forma muito formal, correndo o risco de não
falar nada. Pois A MIM simplesmente uma mão exposta não parece querer dizer
nada, praticamente, e por outro lado a singeleza de não reparar ou de reparar
melhor do que eu na sutileza do movimento é algo efetivamente transformador. Eu
não me lembro direito dos movimentos na cena, claro; só lembro que a gente se
tocou, contrariamente àquilo que a gente, digamos, havia combinado, e que começamos
a nos tocar de forma a sentirmos mais como nós somos. E num determinado
momento, na medida exata em que eu não estava atuando, mas me abandonando à
situação, eu comecei a reagir negativamente ao seu toque, como se ele fosse
forte demais, e eu assim o sinto, pois para mim as coisas não são tão áridas,
embora, claro, em determinados momentos tenham até mesmo de ser. Você reagiu de
uma forma tal que no fundo pareceu me surpreender na hora. Mas sabendo que
estávamos no palco, eu simplesmente deixei tudo ir. Você aos poucos se fechou,
ou imediatamente não me lembro muito bem, e eu fiquei então a ver navios,
sabendo que queria o toque mas com mais suavidade, não aquele toque, pelo menos
naquele momento, daquele jeito. No final, eu meio que dei uma zoada, mas te
confesso que um pouco sem jeito, apesar de eu estar sorrindo, me colocando
diante de você, com as mãos postas, esperando um novo contato, que não veio.
Eu não me meteria a fazer este texto se não tivesse reparado
em duas coisas, uma das quais me chocou um pouco, embora a ela eu tenha reagido
de forma espontânea, sem problemas: o fato de você, como quase sempre, aliás,
ter escapado para trás da turma, e de não ter mais olhado para mim por bom
tempo, só olhando mesmo na hora em que falamos algo da cena. Esse seu
afastamento me chocou em parte porque você estava, a meu ver, muito inteira na
cena, e porque eu notei, na hora ou depois, não sei bem como, que algo de você
mesma, algo importante, estava efetivamente lá. Foi como se eu sentisse que
você levou no pessoal algo que era um desencontro em cena, e isso ao mesmo
tempo que me alegra, pois no meu método eu sempre quero descobrir com quem
efetivamente estou lidando, também me confunde, pois não quero magoar e por
outro lado não faço questão de agradar. Foi estranho, e no final, quando
entramos no elevador (e até um pouco antes), tua sutil reação ao fato de eu
haver escolhido outra atriz (a Natália) para continuar, acabou me acabrunhando –
embora você tenha percebido que eu mantenho tudo como antes e não expresso
absolutamente nada – aliás, a ausência de expressão me fascina, na verdade. Daí
que pensei que valeria a pena eu te comentar estas linhas, só para vc saber.
Obrigado, Suzana, pela experiência, e pela entrega. Saiba
que foi uma experiência bastante marcante para mim, e que levarei grandes
memórias dela.
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