Tenho muita dificuldade em relaxar. Talvez seja essa a maior
dificuldade física genérica que eu tenho. Não relaxo no dia a dia, nunca
consegui relaxar no karatê (cheguei à faixa roxa, por volta dos anos 90), não
consigo relaxar quando escrevo, nem quando faço sexo, nem quando converso e
creio que nem quando durmo.
Minha história a esse respeito é simples. Aos 6 anos, vi um
golpe de Estado, do qual só me lembro dos sons das bombas e de algumas imagens.
Sempre fui muito tímido. Um dia, fui ameaçado fisicamente e fiz karatê em
seguida. Note-se que eu praticamente não tinha coordenação motora na época e
que portanto os movimentos do karatê são quase os únicos que têm uma profunda
identificação comigo. Com o karatê, fiquei uma pessoa violenta e traiçoeira e
parei. Encaro os contatos como possíveis ameaças e sendo assim fico sempre na
defensiva. Só muito recentemente (mesmo, tipo semanas) venho conseguindo
encontrar uma forma de EU falar sem que dê margem a sensações de ameaça vindas
das outras pessoas. Tentei me matar há dois meses porque estava convicto de que
nunca iria ter um relacionamento normal com outras pessoas.
Na mesma época em que fiz karatê, fiz yoga, mas eu dormia
nas aulas. Não conseguia estudar, e dormia na biblioteca.
Quando me sinto à vontade, tendo a dormitar ao lado da
pessoa com que consigo relaxar, geralmente ouvindo música, e simplesmente
destruir os movimentos que possam existir em mim. O ponto inicial do movimento
é uma espécie de relaxamento primordial, como se fosse um nascimento. Por sua
vez, considero que o relaxamento por si só não basta, ou seja, que é preciso
forçar a situação de fechamento em si, como se fosse uma espécie de morte do
impulso em si.
Mas, por características biográficas, sinto-me o tempo todo
ameaçado.
O karatê e observar lutas fez-me começar a apreciar o
aspecto técnico das lutas. Isso, somado a minha admiração com o caráter
cirúrgico de certas cenas de ação de blackbusters (Cães de Aluguel, Colateral,
etc.), e ao fato de ter acompanhado muitos treinamentos internos de karatê
entre mestres (dos quais tirei documentos que ainda irei divulgar), assim como
ao fato de ter criado uma espécie de ética própria (no sentido de que, qualquer
que seja o ambiente de conflito, mesmo verbal, atuo de forma a dar “ippons”
(golpes únicos e certeiros) para reduzir a duração e a intensidade do conflito,
resolvendo-o), assim como somado ao fato de haver passado 10 anos convivendo
com brigas familiares, toda noite, em que nunca se chegava a uma conclusão, fez
com que eu passasse a admirar movimentos de extrema rapidez e violência cirúrgica
sob o prisma estético. Pois o que NÃO ME FAZ apreciar lutas coreografadas ou
lutas de Vale-Tudo é que em geral elas são feias e pouco eficientes (há
exceções, como a da Ronda).
O movimento então surgiu da necessidade de relaxamento
primordial, de se ser afetado por um motivo externo e de reagir a ele, e de
cumprir o ato de fazer tudo em tempo reduzido ao limite do quase impossível. A
saída do relaxamento é, em si, quase um ato de preservação que só conseguiria
ter efeito em um só golpe certeiro e mortal. Mas, como não há luta, restou
somente a saída excessivamente violenta e rápida e o relaxamento posterior do
movimento.
Quando a Martin, vejo-o, assim como ao meu pai, ensimesmado,
mas que pode sair facilmente e SEM MOTIVO do estado em que está e abordar
violentamente as outras pessoas. Esse é o movimento.
Comentários