Pular para o conteúdo principal

Killer Joe, de Tracy Letts (tradução Maurício Arruda Mendonça)

Tracy Letts é um autor da moda. É o criador e roteirista do recente Álbum de Família, com a Meryl Streep, em interpretação memorável, e atualmente está nos teatros (no CIT-Ecum, para ser mais exato) com Bichado (Bug). Killer Joe é uma peça que ele escreveu em 1993 em homenagem à sua companheira, Holly Wantuch.
Tudo passa-se num trailer. Chris, filho mais novo de Ansel e sua primeira esposa, aparece devendo dinheiro aos traficantes do local - Dallas - e com uma ideia maluca a propor ao pai - matar a mãe e ficar com o seguro (que iria para a irmã mais nova dele, Dottie). Para isso propõe contratar Joe Cooper, o Killer Joe, policial que é também matador.
A peça gira em torno do contrato com Killer Joe e o desenrolar da trama - na medida em que Killer se deixa atrair por Dottie. Chris e Ansel "dão" Dottie para ele, como Sinal ou entrada, e enquanto isso Chris continua chegando fudido - os traficantes dão lhe repetidos paus para que devolva a grana que é deles. Chris se arrepende de dar Dottie para Killer e a trama continua até um desfecho que, embora eu não diria surpreendente, mantém acesa a atenção até o fim.
Killer Joe teve os direitos comprados pelo Carca Rah, do Teatro Cemitério, e deve estrear lá este fim de semana. Eu não tenho nenhum papel nela como ator e sugeri cuidar da técnica. O Carca e o Marião toparam. Por isso, passo todo dia praticamente para acompanhar os ensaios, que têm assistência da Gabi Spaciari, uma das minhas Garotas do Contrera, e da Valentine Durant, outra, que a última sexta estreou como atriz, profissionalmente falando.
A peça tem várias características marcantes. Por se passar inteiramente no trailer, poderia parecer monótona, mas não é. O diálogos são certeiros e utilizam-se de uma característica que eu não conhecia: eles são cortados a toda hora por um e outro personagem. Tudo cria uma agilidade patente que deixa tudo muito mais tenso do que já era. O grupo do Teatro Cemitério acrescenta uma e outra camada aos personagens guiados pela direção (do Marião), e as cenas de tensão assumem um ar rasteiro - bem próximos de uma escrotidão calculada. Há cena de sexo, paquera, familiar e até uma espécie de estupro. Tudo muito claro para quem ousa ver a realidade tal qual ela se apresenta. O final - ainda não ensaiado - é simpático, quase familiar, se me entendem. Tem assassinato no meio.
Estamos esperando para que o Gabriel Pinheiro - o Chris - se recupere de uma cirurgia para tudo ser retomado. O espaço teatro Cemitério foi transformado como nunca antes de Mulheres, do Buk, e logo estará tudo nos trinques. Enquanto isso, curto o texto e a criação de ambiente proposta por Letts e seguida pelo Marião e cia. Gosto muito. Já praticamente decorei a peça.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm...

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da ...

29/7 (a partir de 28) - Teatro e artes

Ontem, ao ouvir o Gerald, quanto a como coloca a musica (depois), e depois ainda, ao ver uma musica passando pela partitura (e me deixando uma impressao de impossibilidade de traducao em algo mais), percebi que a arte finalmente havia voltado a assumir um lugar inextrincavel em mim. Finalmente percebi novamente que ela existia em mim para algo alem da minha vida, e percebi tambem que qualquer motivacao extemporanea (tipo celebridade, valor em si, razao) para ela era, alem de inutil, irrelevante. Percebi isso e na hora me libertei de coisas ao meu redor imensas, que me faziam sentir amargurado por um peso muito grande. Como se eu DEVESSE atribuir algo aa minha vida por me sentir pequeno demais para tudo o que investi nela. Isso fez com que eu tambem entendesse que, quando QUALQUER COISA for bem feita, ja EE arte em si, e por isso mesmo entendi o valor da edicao no cinema, da atuacao, da luz e tudo mais. Tudo adquiriu de repente um valor maior, para alem da vida inclusive.