Pular para o conteúdo principal

Lilian Bites

Quando e como você se descobriu atriz?
Quando tinha treze anos participei da montagem de uma peça na escola onde estudava um amigo. “Incidente em Antares”, de Érico Veríssimo. Ganhamos um festival estudantil e eu soube então que era TEATRO o que eu queria fazer. Tinha treze anos na época. Em seguida montamos “Triste fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto. Daí em diante passei a integrar alguns grupos de teatro nas escolas onde estudei. Aos dezenove anos entrei na EAD-ECA-USP e estudei teatro mais aprofundadamente até me profissionalizar efetivamente.

Você se sentiu lutando com outra opção ou desde cedo já sabia que o seu destino seria esse?
Eu sempre lutei contra circunstâncias adversas. E ainda luto. Não sou rica, nem herdeira (tanto de dinheiro quanto legado artístico). Ninguém me ofereceu a possibilidade de desenvolver meus talentos. Tudo na minha vida sempre veio com muito esforço e determinação. Mas tal qual o próprio teatro ao longo de sua história, muitas vezes tive que “mascarar” meus objetivos para sobreviver. Felizmente nunca pensei em desistir. Hoje em dia dou aulas de teatro, trabalho com minha voz na qualidade de dubladora, narradora e locutora. E há um ano passei a integrar o grande elenco da Cia Os Sátyros , da qual muito me orgulho de fazer parte.

Você já quis ser como determinada atriz? Quem foi (ou é) essa atriz? O que ela tem de especial?
Seria melhor dizer “determinadas atrizes”: Eva Wilma, Denise Stoklos, Bete Coelho, apenas para citar algumas porque, ao longo da minha vida, sempre tive inspiração em atrizes, que via no teatro, como modelos para o meu aprendizado.

Como atriz, você busca viver o papel ou, com um certo distanciamento, vivenciá-lo? Por quê? Quais você considera que são os principais riscos em ambas posturas?
Cada trabalho é um trabalho. Não dá para especificar a forma de construir um personagem como única. A abordagem do diretor quanto à encenação pode influenciar na construção do personagem. Há também trabalhos que exigem esforços intelectuais mais aprofundados. São os meus preferidos. Adoro pesquisar linguagem. Por exemplo, há uma publicação da editora perspectiva: “ Caos Dramaturgia “ A teoria do caos aliada ao processo de criação dramatúrgica, do Rubens Rewald. No livro ele relata o processo colaborativo da criação de três peças teatrais. Eu participo do processo de criação de “Narraador”. E foi uma emoção muito grande ao ver nossos esforços transformarem-se em livro, alguns anos após o término da temporada.

Qual autor você ainda não encenou mas gostaria com toda paixão?
São realmente muitos os autores com os quais eu gostaria de trabalhar. Profissionalmente ainda não realizei um projeto meu. Idealizado por mim. Mas se é para enfocar um especificamente é Dostoiéviski. Por ordens categóricas de Nelson Rodrigues, meu mestre maior! Há há há!!

Qual é a prova dos nove para se saber se um autor é bom o suficiente para ser encenado com dedicação?
Não sei se há uma “prova dos nove” para saber as possibilidades teatrais de um autor. Há muitos textos que vejo encenados e nem foram escritos com este intuito. Foram escritos em forma de contos, crônicas, poemas, enfim. Em contrapartida existem alguns textos que mesmo escritos teatralmente não despertam o menor interesse. Sem ser evasiva é muito ‘relativo’ mesmo.

O que você busca num diretor?
Já busquei diretores. Agora sou buscada por eles. Ponto.

O que te motiva a trabalhar com ele?
O que me motiva a trabalhar com um diretor é a inteligência dele. Mas já vi cada coisa no comportamento de determinadas ‘vedetes’ teatrais que é melhor abstrair. Deixar pra lá mesmo. Não valem à pena.

O que você não aceita de forma alguma (há algo nesse sentido)?
Não aceito de forma alguma ser manipulada para conceder ou obter favores que irão garantir minha presença em uma produção.

Você prefere ser dirigida de perto ou deixada à vontade para procurar o tom certo?
Entre ser dirigida de perto ou deixada à vontade penso que seja um pouco de cada. Um equilíbrio entre estas duas atitudes.

Você já atuou com diretores iniciantes? O que você preza que qualquer diretor tenha, mesmo iniciante, no seu trato com os atores?
Já atuei com diretores iniciantes na época e que se tornaram muito famosos e respeitados. Antonio Araújo, do teatro da vertigem é o nome mais expressivo dessa lista, mas tem outros nomes que quero citar pelo respeito e admiração que tenho por eles: Adriano Cipriano, Caetano Vilela, Cacá Carvalho, Maurício Lencastree , meus professores Rodrigo Santiago e Iacov Hillel, e o próprio Rubens Rewald.

Destaque alguma experiência como atriz que ficou marcada em você a ponto de mudar sua vida, de alguma forma.
Rodrigo, foram muitos os momentos mágicos no teatro, capazes de mudar a minha vida. O mais recente é uma frase do chileno Alejandro Jodoroviski, na boca da personagem de Maria Alice Vergueiro em “As Três velhas” : “...É possível ser digna até no meio da lama!”. Mas tem também outro que sempre volta em minha memória e que remonta os meus dezenove anos. Foi quando vi meu nome na lista de aprovados da Escola de Arte Dramática. Outro momento foi quando li pela primeira vez este trecho da autobiografia “Mutações”, da atriz Liv Ullmman, com o qual pretendo encerrar esta entrevista, na esperança de ter tratado suas indagações com o respeito e carinho devidos:

“ ...Costumava chegar de manhã cedo, sentindo-me em casa, naquela penumbra; o ar poeirento, os vestiários abarrotados, o palco com suas tábuas gastas e empenadas. O LUGAR NO MUNDO ONDE EU MAIS QUERIA ESTAR. Os ensaios e conversas sem que ninguém olhasse para o relógio. O murmúrio da platéia, antes da cortina se abrir. As luzes fortes. A excitação. A audiência. A tensão. O personagem que deveria ganhar vida própria. Chorar, dentro do papel...Risos e angústias e fúria, tomados a uma pessoa imaginária. Emoções que eu mal conhecera. Os olhos e as expressões e os movimentos dos meus colegas. Algumas vezes, estávamos tão próximos que parecia irreal a existência de outros relacionamentos, fora do teatro.

Certamente nenhum amor ou ódio poderia ser mais forte do que as paixões que palpitavam no palco, entre as oito e as dez e meia, todas as noites.

Para a maioria, a absorção completa pela profissão só acontece durante os primeiros anos. Mas UNS POUCOS jamais conseguem encontrar o caminho de volta à vida, fora do palco. Envelhecem e pegam na sua mão, e recitam uma fala que lhes coube em uma peça. Hamlet, ou Rei Lear estão a sua frente, e você se sente ligeiramente embaraçado, porque tem medo de que alguma observação impensada possa despertar alguém de um lindo sonho, com a duração de toda uma vida profissional. E até além...”.

(Liv Ullmman, de sua autobiografia “ Mutações”)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm

(Em) Branco (de Patricia Kamis, dir. Roberto Alvim, Club Noir, 3as a 5as durante o mês de agosto)

Fui à estreia da segunda peça da leva de oito novos selecionados que o Alvim vai encenar municiado de sua leitura na noite anterior. Esperava ver algo relativamente tradicional e nutria um certo receio de déja vu. A atriz e os dois atores permanecem estáticos em quadrados iluminados por baixo. O caráter estático não se refere apenas ao corpo em contraponto com o rosto, mas também a este, mutável apenas (e repentinamente) por expressões fugazes. Os olhares permanecem fixos. O texto segue a ordem 1, 2, 3 (segundo o Alvim, emissores mas não sujeitos), que eu imaginava que iria entediar. As falas são ora fugazes ora propositalmente lentas e sua relação tem muito a ver com o tempo assumido em um e outro momento. Não irei entrar no âmago da peça. Nem irei reproduzir o que a própria autora, o dramaturgo Luciano Mazza e o próprio Alvim disseram no debate posterior a ela. Direi apenas que durante ela nossa sensibilidade é jogada de um lado a outro num contínuo aparentemente sem fim sem c