Há várias formas de
atender aos chamados da latinidade.
Recentemente passaram
festivais de curtas latinoamericanos, e o Mirada, festival de teatro que ocorre
em Santos a partir do começo de setembro, serve para refletirmos em que medida
nossos dilemas vão além de nossas fronteiras nacionais.
O espetáculo Frida Kahlo
é outra forma de encarar a latinidade. Pude conferir, pouco antes de entrar,
que havia vários espectadores de origem latino-americana hispânica, e não
apenas mexicanos ou brasileiros interessados na pintora, ansiosos para ver a
latinidade aflorar. Desde o começo o espetáculo promete - o palco é nu, com uma
interessante entrada ao fundo, parcialmente iluminado por lustres, e os
instrumentos musicais dominam o ambiente (eles irão, quase sem nenhum descanso,
acompanhar toda a trama, em parte linear, em parte entrecortada por diversas
intromissões da cultura, da história, do teatro em si e muito dançada).
Seria injusto dizer
que a peça trama a trama da história de Frida, apenas. Diria melhor que a trama
da pintora e de sua relação com Diego Rivera é quase uma desculpa para traçar,
com música, dança e teatro, o itinerário do México do começo do século e da
latinidade de forma geral, com recurso a imagens típicas daquela cultura e
dança. Os europeus ilustres são anunciados, bem no começo da peça, mas percebe-se
como eles atuam mais como espectadores de um espetáculo eminentemente
latino-americano. Há quem "grave" com câmeras de filmar, há
intromissões de ilustres como Artaud, Maiakovski, Breton e tudo o mais, mas
desta vez, contrariando essa mania de nos colocarem a soslaio, os europeus
assistem embasbacados a trama toda dessa que ficou conhecida pela pintura, sim,
mas também e principalmente pela trajetória - quase mítica, como os
espectadores são de cara defrontados. Não irei dizer por quê - tiraria toda a graça
da peça. Basta ver para perceber como, para Frida, a arte era uma forma de
eternidade mítica que superava a própria história e de sua, digamos, raça.
O texto, de Viviane
Dias, abrange um amplo leque de interesses e é extremamente agradável vermos
como a latinidade pode ser encenada sem necessariamente ser reduzida a clichês.
Sentimos esse algo mais que surge de tudo que é bem contado, sem a pecha do
folclore tão fácil de impor e de assimilar. Esse algo mais vai até o fim,
quando numa espécie de ato de voyeurismo de extremo bom gosto, vemos a imagem
da mulher se tornar algo mais que estelar. Muito bonito mesmo.
Não pude, contudo,
apreciar o espetáculo em toda a integridade, dado estar também acompanhando o
trabalho de luz do Jorge, ao lado dele, na mesa de som. Mas mesmo assim foi
possível apreciar bastante bem a integridade do trabalho. Fica até final de
setembro no Viga. Tentarei também ajudar na divulgação.
Comentários