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Alongamento

Quando chega o fim do dia, e por acaso não atuei nem me preparei para tanto, bate uma indisposição muito forte nas extremidades. É como se algo tivesse sido marcado a ferro e fogo e precisássemos alongar os músculos o máximo possível para voltar àquilo que era antes.
Agora mesmo estou com uma forte indisposição nas costas. Não é dor, não se engane. Eu poderia deixar passar e simplesmente me deitar e dormir. É, ao contrário, a convicção NO CORPO de que algo se manteve preso em meus músculos e extremidades, tomadas de forma geral.
Foram-me passadas, com o tempo, diversas dicas para alongamento antes da atuação. Uma dessas dicas é esticar o corpo de forma assimétrica, por exemplo, esticando o braço direito para cima e o esquerdo para baixo, forçando a coluna cervical a se dobrar em si mesma. Mas sem exagero, claro. Só como alongamento mesmo e dobrando um pouco as pernas enquanto fazemos isso com uma base bem fixa e forte.
Mas isso por vezes parece ser insuficiente. Agora mesmo a indisposição nas minhas costas não desaparece por mais que eu estique os braços, de forma alternada, ou gire meu quadril com as pernas fixas no chão de um lado para o outro. É como se houvesse pontos presos em minhas articulações, pontos que exigem movimentos para se soltarem e deixarem meu corpo fluir.
Antes de atuar eu mal me preocupava com isso. Hoje, antes de assistir um espetáculo qualquer é como se eu mesmo fosse me apresentar. Algumas pessoas estranham que eu faça esses movimentos de alongamento no saguão dos teatros ou nos locais de espera para entrar nas salas onde irão ocorrer as peças ou outros espetáculos. Mas não ligo.
Tendo a não gostar muito dos alongamentos feitos no chão. Eles me lembram e me levam aos alongamentos que eu fazia para artes marciais, e estes nunca pareceram sequer se ligar ao fato de que eles diziam respeito ao meu corpo, esse meu bálsamo corporal sem o qual não sou nada. Não. Esses alongamentos de outrora tinham um fim determinado. Hoje, embora por vezes os alongamentos digam respeito ao momento de atuação em uma peça, eles também dizem respeito a minha identidade como pessoa corporal, como corpo. E hoje os momentos de alongamento requerem tanta introspecção como passar o texto da peça com algum(a) parceiro(a). Requer concentração. Não é - para mim - apenas tratar de esticar o corpo e evitar algum mal-jeito durante a peça. Parece que agora o alongamento é realmente meu.
Teimo em achar que com o passar do tempo eu vá começar a prestar atenção aos detalhes de meus músculos, em toda parte do meu corpo, e que com isso comece a dar mais relevância ao alcance de meus alongamentos, como se eu fosse um profissional da dança. Mas os livros a respeito parecem muito caros, e não tenho como trabalhar - ainda - dessa forma.

Mas chego lá. Enquanto isso, sinto o meu corpo como nunca antes. Justo agora que já passei pelo cabo da boa esperança.

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